Confesso: eu não queria estar a gastar o tempo do meu (acho q mais que merecido) descanso com o assunto dos 'chumbos'. Neste momento, apetece-me muito mais postar sobre música, poesia, livros, filmes ..por isso deixei incompleto o post abaixo (ver)
Não queria, nem me parecia necessário. Outros se debruçaram sobre as declarações ditas 'polémicas' da ME (não o são, polémico seria qq coisa de novo e não-esperado, a inefável criatura mais não fez do que ler umas páginas da bíblia da antecessora!) . Enfim, os media deram-lhe a costumada cobertura, as associações de pais pronunciaram-se, uma preto, outra branco. Tudo o que havia a dizer foi dito e eu, sinceramente, nem sei se valia a pena gastar cera com mais defuntas ruindades.. Tudo vai ficar-se por isto mesmo, esta 'tosquice' que me traz à memória um título de um livro para crianças, "a sopa toca e foge". Eles brincam, nós entramos no jogo. Pais, professores, jornalistas.
E esperamos que nada aconteça, nada se altere nos próximos (pelo menos) dez anos. Quando os vossos filhos (que o meu já é grande, escapa a estas estatísticas..) tiverem terminado os seus 'bolónhicos' cursos-seguidos-de-mestrado para UE ver e forem engrossar as filas dos portugueses desempregados. Ou quando, engenheiros e advogados, forem atender telefones num qualquer call centre. Ou quando tiverem de emigrar para outros países, e os únicos que os vão aceitar são aqueles que deixaram de 'chumbar' ainda mais futuros doutores analfabetos do que nós.
Porque o 'chumbo', e agora passo à análise do artigo de Miguel Reis (aqui) , o chumbo NÃO é «a marca mais evidente do falhanço da escola». A marca mais evidente do falhanço da escola é toda uma geração ter passado por lá e ter-se iludido com o facilitismo das passagens sucessivas, ter agora (ou daqui a dez anos) o seu futuro hipotecado.
E isso é um falhanço, sim, e rotundo, mas da sociedade em que vivemos, muito mais do que da escola.
- É o falhanço de uma sociedade que menospreza o papel da Educação, mas almeja para os seus rebentos um diploma de estudos superiores.
- Uma sociedade que vive de aparências, inclusive a de que se importa com o futuro dos filhos (ou o seu presente, e isso não é apanágio exclusivo, nem talvez particularmente significativo, das classes ditas ‘baixas’).
- Uma sociedade que aplaude quando uma ministra da Educação vem publicamente achincalhar os agentes dessa mesma Educação.
- Que vê num programa de televisão um homem agredir uma mulher e logo o transforma em herói.
- Que sabe de cor os nomes de todos os jogadores, de todos os treinadores de futebol, mas ignora em absoluto quem foi Agostinho da Silva, ou António Egas Moniz, ou José Saramago.
- Que tem 4 e 5 aparelhos de televisão em casa, mas nunca leu um livro na vida.
- Uma sociedade, enfim, que elege e reelege um primeiro ministro suspeito de burlas várias, paradigma do bem-sucedido cidadão português!
Vivemos num mundo em que o ‘parecer’ prevalece sobre o ‘ser’, onde quem colhe frutos são os oportunistas, os burlões, os chicos-espertos. A escola pública é apenas a ponta mais visível – e mais vulnerável – desta lixeira nauseabunda em que se tornou o nosso país, e também o seu reflexo.
No seu artigo "uma proposta falsa", diz Miguel Reis que «as visões meritocráticas da escola são apanágio da direita conservadora». Pois deviam sê-lo também da esquerda, se por esquerda se entende uma força que não aceita a podridão deste status quo! Uma força que valoriza o trabalho sério e o empenhamento individual como construtores de um mundo melhor e mais justo, e de que possam, os seus agentes, colher os frutos. É que, ser “conservador”, nos tempos que correm, é encarar como natural a indisciplina que grassa nas escolas, e premiá-la. É aplaudir a violência, os maus modos, a displicência, a cabulice, o eduquês. É aceitar a desautorização sistemática dos professores e outros agentes da educação, é dar cobertura ao bullying. “Conservar”, neste momento, é querer manter este estado de coisas. É não perceber, ou não querer ver, o que se passa nas escolas deste país, onde a indisciplina e o desinteresse de grande parte dos alunos são a causa primeira do seu insucesso.
Pois, sejamos realistas. Mas não exigindo o impossível grau de doutor para todos os nossos jovens (e quem me dera, se isso se traduzisse em mérito, em conhecimento efectivo!!). Na escola (a pública, entenda-se) dificilmente se encontra já o que Miguel Reis chamará de 'elites'. Na escola pública estão os filhos dos professores e outros funcionários públicos, e os dos operários mais bem pagos do que eles. Estão os filhos dos comerciantes, e os dos desempregados. E os das mães solteiras e os dos emigrantes - brasileiros, africanos, ucranianos, moldavos, romenos. Estão os alunos que querem aprender e os que, logo na ficha que entregam ao director de turma, escrevem que não gostam de estudar. Estão os que lêem e os que não lêem, sejam filhos de professores, operários, desempregados, mães solteiras, emigrantes. Na escola (a pública, repito) estão os que vestem roupas de marca, e são basicamente todos. Os que têm televisão e computador no quarto onde dormem - e são basicamente todos. Os que só se alimentam de hamburgers, croissants, gomas, coca-cola - e são basicamente todos.
A estratificação da sociedade faz-se agora entre os que não têm outro remédio senão frequentar a cada vez mais desacreditada escola pública e os que podem pagar os colégios privados.
Tempos houve em que os alunos se inscreviam nos colégios privados que lhes garantiam a passagem fácil com notas altas - como a realidade se inverteu, não? Tempos, e não tão distantes assim, em que a escola pública tinha qualidade reconhecidamente superior à generalidade dos privados. Em que os professores de uma davam, também, umas aulas na outra. Ou em que o pessoal docente dos colégios era composto, maioritariamente, pelos candidatos que não conseguiam lugar nas escolas do Estado. Onde há, certamente, "os professores que facilmente desistem" (...) e "os professores que tentam utilizar todos os escassos meios existentes" (...) Mas não me venham com a demagogia do "carimbar prematuramente o destino de certos alunos"!!! e .... "professores que acreditam numa escola que serve para distinguir em vez de ensinar", Miguel Reis ?? que é isso? ?!! Pois se é você mesmo que diz, e cito, " a Ministra faz recair toda a responsabilidade sobre as escolas e sobre os professores, insinuando que dispõem de todo os meios para garantir o sucesso escolar de todos os alunos» - em que ficamos, afinal? A escola não tem toda a responsabilidade mas "desiste de corrigir as desigualdades de partida, deixando que elas se reproduzam e se ampliem."??
Esses 'certos alunos carimbados de incapazes', Miguel, não existem no meu mundo profissional, como não existem os professores 'elitistas' de que fala. Existem, sim, alunos que se estão completamente borrifando para a escola, que agridem verbal e fisicamente colegas e professores. E existem professores que não conseguem ensinar-lhes nada, nem a eles nem ao resto da turma, tal é o desinteresse generalizado, tão inultrapassável a indisciplina dentro da sala de aula.
Não se pode exigir à escola que acabe com a leviana cultura de aparências de toda uma sociedade enformada nos estereótipos virtuais que lhe invadem a casa a toda a hora, muito menos que ‘corrija’, ela só, “as desigualdades de partida”. O que, sim, se lhe deve exigir, é que proporcione um ensino de qualidade, regido por valores humanistas e pautado por critérios de exigência, a todos os seus alunos. Que a todos dê os instrumentos necessários para que possam atingir o sucesso, a nível académico e na sua vida futura.
Mas que, antes, se criem as condições sine qua non. Condições que passam, não por um megalómano plano tecnológico, muito menos pela despesa de milhares de euros gastos em escolas-mãe de futuros mega agrupamentos. As condições necessárias para que a escola mude passam, sobretudo e quase só, pela alteração radical das mentalidades dos alunos e dos seus progenitores. Passam por se voltar a entender a escola como um lugar de trabalho, em vez do pátio de recreio que agora é. Passam, também, por diferenciar os curricula e os cursos, de acordo, não com a condição social de cada um, mas com as suas apetências, as suas diferentes capacidades, e por que não?, a sua diversa inteligência.
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Na Rua Sésamo, o programa infantil mais didáctico que já vi, ensinavam-se as letras, os números e os valores. Uma das canções que por lá ouvi dizia qualquer coisa do género: “se todos fôssemos doutores e engenheiros, quem é que martelava?”
É que - marca evidente do falhanço da escola (da sociedade!) - é , também, precisarmos de um electricista ou um canalizador e não encontrarmos um que não esteja atafulhado de compromissos. Ou de arranjarmos outro que nos ponha a instalação em curto circuito e as torneiras a vazar. E é termos tantos inúteis diplomas de doutores. Termos uma taxa de desemprego galopante. Termos nas ruas um número cada vez maior de pedintes cada vez mais jovens.
Por isso a minha aluna, que não é filha de cozinheira, deveria, sem complexos de qualquer espécie, poder cumprir o seu sonho de cozinhar, tal como a filha da empregada de uma amiga cumpriu o sonho de ser médica. Não fossem, também, os preconceitos sociais que (quase) todos ainda temos neste país, e a escola cumpriria muito melhor o seu papel.
E finalizo registando aqui algo que já anteriormente escrevi, e que é fruto da minha experiência de mais de 30 anos com alunos do 3.º ciclo e secundário:
(..) a propósito de um inquérito do jornal Público, em que se inquiriam 'personalidades' sobre as causas do insucesso escolar (efectivo) em Portugal: «Acha que a culpa do insucesso é dos professores?»
A resposta de uma das inquiridas, Inês Pedrosa, escritora e directora da Casa-Museu Fernando Pessoa, mais ou menos isto : « É óbvio que a culpa é dos professores! Os alunos não hão-de ser todos burros!»
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Num ponto tem razão a senhora: os alunos, na sua grande maioria, de 'burros' não têm nada. Nem, de resto, os alunos que reprovam são os que têm 'dificuldades de aprendizagem'.
- Os alunos que reprovam são aqueles que não querem saber da escola para nada - secundados e incentivados nesta perspectiva pelos seus EE.
- Os alunos que reprovam são os que se portam muito mal e fazem da sala de aula uma extensão do recreio, prejudicando-se a si e aos colegas.
- Os alunos que reprovam são aqueles cujos pais só aparecem na escola para insultarem os professores, 'carrascos implicantes' que traumatizam os seus impolutos 'anjos'.
- Os alunos que reprovam, em última análise, são os que, inteligentemente, intuíram os valores de facilitismo e auto-desresponsabilização subjacentes ao sistema educativo - desenhado e mantido ao longo das últimas décadas - pelo ministério da educação.
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