06 agosto 2010

Educação injusta

ou .. um complemento 
ao complemento  
do artigo de Santana Castilho 

O artigo é de Luís Campos e Cunha, e vem publicado no Público de hoje. 
.
Resume boa parte daquilo que também eu penso, quer relativamente à urgência de se interiorizar uma política de auto-responsabilização, quer à questão das  pedagogias educativas  com que o ME nos tem brindado nas últimas décadas. 
Políticas desastrosas, quase todas, em parte porque enformadas, ainda, por um complexo dito de "esquerda"  a meu ver absolutamente injustificado, se tivermos em conta a alteração da realidade social do nosso país, mainly and namely, a reflectida pela Escola Pública, muito especialmente a nível dos valores hoje instituídos (ou mais exactamente, da falta deles..). 

É que não se pode levar metade do tempo a clamar contra a indisciplina e o bullying, as agressões físicas e verbais mais a falta de interesse dos alunos, e a outra metade a esgrimir a bandeira das oportunidades iguais, para os 'tontos' que cumprem e os 'coitadinhos' que não cumprem, venham eles do extracto social que vierem.

*

O artigo acima referido versa dois assuntos, o da justiça # e o da educação. Transcrevo apenas o referente a este último.

Educação injusta
(...) 

A educação - outro problema calamitoso - também não deu [esta semana] boas notícias com a perspectiva do fim das reprovações. Há uns meses, numa conferência em S. Francisco na Califórnia, um professor americano já reformado, que escreveu muito sobre Espanha e também sobre Portugal, perguntou-me qual a razão dos maus resultados do ensino nacional. Depois de uma longa conversa em que mostrei que os recursos financeiros, humanos e materiais eram dos melhores da Europa, [admiti que] os resultados brilhavam pela ausência. A finalizar, disse-lhe que boa parte da culpa também era deles, americanos. Perante a surpresa, expliquei-lhe que no final dos anos 60 (ou princípios de setenta), um ministro da Educação tivera a ingenuidade de mandar umas dezenas de pessoas estudar "ciências da educação" nos Estados Unidos. Ele interrompeu-me, perguntando: não me diga que foram para Boston! - Exactamente, disse-lhe. O meu amigo respirou fundo e calmamente concluiu: então, o caso é mesmo muito grave. (*)

E é, de facto, muito grave. A filosofia das Escolas de Educação está patente há muitos anos na abordagem ao ensino em Portugal e os resultados estão à vista. Estou certo que a intenção da ministra é a melhor; li a sua entrevista e ouvi atentamente muitas das explicações que se lhe seguiram e não advogou (explicitamente) o fim administrativo dos chumbos. Desejou apenas pôr à discussão; aqui fica o meu contributo.

As reprovações são necessárias e não se avaliam, principalmente, pelos efeitos que têm nos alunos que chumbam. As reprovações são úteis para os alunos que passam porque estudaram. É o prémio; é para evitar a vergonha da reprovação que os alunos se aplicam mais. Qualquer um de nós (incluindo eu próprio) se lembra que esteve, normalmente pelos 14 anos, à beira de chumbar, o que só não terá acontecido pelo esforço final para evitar o vexame. (**)  É a cultura da responsabilidade que está em causa

Educar é preparar para a vida. Não conheço melhor definição de educação. Essa preparação é não só técnica e científica, mas também ética e cívica. É ser capaz de lidar com o stress, com a pressão temporal e até com a injustiça. É ser capaz de definir objectivos, trabalhar por eles e alcançá-los. E esperar o reconhecimento por isso. Os exames e os resultados com aprovações, reprovações e com notas de zero a vinte foram necessários e são importantes. Aguentar a pressão de um exame faz também parte da aprendizagem.

Na vida estamos sempre a aprender e estamos sempre a ser avaliados. Tal como devia ser na escola. Há duas grandes diferenças entre a escola e a vida. Na escola, primeiro temos a lição e depois o exame. Na vida, primeiro temos o exame e só depois temos a lição, se percebermos onde errámos. Em segundo lugar, na escola aprendemos à custa da experiência de outros; na vida aprendemos à nossa custa, à custa dos nossos erros. Por tudo isto é que a escola é o meio mais eficiente de nos preparar para a vida.

Nós, que somos pais, várias vezes ouvimos os nossos filhos queixarem-se da injustiça de uma avaliação. A minha resposta era sempre a mesma: fala com o professor e tenta apresentar as tuas queixas, mas se no fim ficar tudo na mesma, aprendeste que a injustiça existe (***) e vais vê-la todos os dias no resto da tua vida. Aprendeste mais uma coisa.

Sem justiça não há cidadania nem vida democrática #. Sem uma boa escola não há justiça social. Hoje temos um ensino, porque laxista, mais injusto do que há 40 anos: os filhos dos mais pobres ficam condenados a serem pobres. Não sou especialista em educação e sei ainda menos de justiça #. Mas sei ver os resultados. Da mesma forma que não sei cozinhar decentemente, mas sei apreciar uma boa refeição.

Luís Campos e Cunha, professor universitário


notas:

(*) fazia eu os meus dois anos de estágio pedagógico, já nos anos oitenta, e ainda se gozava com as mirabolantes pedagogias dos então chamados  mestrados "da bosta" ..

(**) o que me diz a experiência enquanto professora do 3.º ciclo e secundário.é que poucos são os alunos que, nos tempos que correm, consideram um vexame chumbar por notas; o que, sim, os preocupa, é reprovarem por faltas, não pela vergonha, mas pelo eventual castigo parental.

(***) eu acrescentaria: ... ou que, afinal, as tuas queixas eram injustificadas ..

Sem comentários: