14 abril 2010

Os escravos e os burocratas trapalhões

Depois de ler mais este artigo de Santana Castilho, duas conclusões me parecem óbvias :
  • Não há ninguém mais informado sobre as questões da educação, mais preparado para as analisar, propor alternativas credíveis. Ninguém mais lúcido, frontal e acutilante na desmontagem das manobras 'esteticistas' e das decisões aberrantes de quem, na 5 de Outubro, tão mal e  de há tanto tempo (demasiado) vem gerindo o destino do que deveria ser uma das pedras basilares da nossa sociedade .
    • Fosse este um país que em vez de fidelidades partidárias valorizasse ideias e capacidades, e Santana Castilho já era ministro da educação há bué, (assim ele quisesse..), por todas as qualidades que se lhe reconhecem e porque tem provas dadas que o recomendam, nomeadamente quando integrou o VIII governo constitucional. eu lembro-me muito, mas mesmo muito bem de Fraústo da Silva, um dos 2 únicos ME decentes que tivemos depois de 74 (o outro foi o major Vítor Alves),  das justas medidas que preconizava e de como foi tão inexplicavelmente siderado pela Fenprof e restantes associações sindicais!
      A bem da presente, das futuras gerações deste país, alguém que desse ouvidos ao que diz Santana Castilho, alguém que zelasse pelo interesse geral deste povo cada vez mais inculto e mais impreparado, alguém (o PR, por ex?) que tivesse a ousadia - a sensatez!! - de o nomear ME!.. 

      Alguém, enfim, que pusesse cobro a este desnorte, ao desgoverno que nos afunda e afunda e afunda. 
      Um referendo, quem sabe? 

      para já, o artigo:  


      Os escravos e os burocratas trapalhões

      Demorei 40 minutos a ler as 9 páginas do Aviso n.º 7173/2010, que indica aos interessados o processo pelo qual se podem candidatar a suprir as necessidades transitórias de pessoal docente para o ano escolar de 2010-2011. Considero-me relativamente familiarizado com a linguagem dos burocratas de serviço, à força de tanto tropeçar com ela. Mas esta é tão prolixa que, se tivesse a desdita de me submeter a tal “procedimento concursal”, teria horas e horas de consulta da selva legislativa citada e de descodificação do que se me aplicaria. Leiam os portugueses cépticos o Diário da República n.º 69, 2.ª série, de 9 de Abril, páginas 18.354 a 18.362.

      Se a forma me revolta, o espírito enoja-me. A que chamam necessidades transitórias? A milhares de postos de trabalho, em horário completo, que se repetem sistematicamente, ciclo após ciclo. Em 2009-2010 foram assim preenchidos cerca de 15.000 lugares. A estes acrescem outros tantos “tarefeiros”, que garantem as actividades de enriquecimento curricular, e mais uns milhares com horários incompletos. Para subsistirem, escravos do século XXI, os professores contratados, concorrem a tudo de olhos vendados e alma amordaçada. Recebo narrativas de vidas de professores que há 15 anos são sistematicamente colocados em horários completos. E gente sem vergonha continua a chamar a isto “necessidades transitórias”. Estes professores não podem ter vida conjugal. Não podem ter casa. Não podem dar estabilidade aos filhos. São vítimas de um nepotismo executivo que arrasta esta situação há 36 anos.

      Sei do que falo e tenho autoridade para falar. Quando, há 28 anos, integrei o Governo, já o problema se punha. Fiz depender a minha entrada da aceitação, entre outras medidas, da contratação definitiva de todos os professores com 3 anos seguidos de serviço docente, em horário completo. O diploma foi feito e a medida foi publicamente anunciada, não para 3 mas para 5 anos. Já na altura argumentava, com cobertura do ministro da Educação, Fraústo da Silva, e do primeiro-ministro, Pinto Balsemão, que era imoral e insustentável que o Estado exigisse aos particulares a contratação definitiva ao fim de 3 anos de precariedade e depois não cumprisse ele, Estado, aquilo que exigia aos outros. A medida não passou do papel e foi uma das causas da minha demissão. Os concursos, que estavam estabilizados, eram relativamente simples e funcionavam relativamente bem, tornaram-se cada vez mais complexos e iníquos. A precariedade e a instabilidade tornaram-se escandalosas (nos últimos 3 anos saíram dos quadros mais de 14.000 professores e não chegaram a 400 os que entraram) e os burocratas ficaram trapalhões. Cada vez que abre um concurso, a trapalhice aflora. Ela aí está instalada, mal abriu este.

      Estando lá e resultando da leitura cruzada de vários diplomas que se aplicam, a Fenprof não viu que no aviso em epígrafe é considerado o resultado da contestada avaliação do desempenho, para efeitos de graduação profissional. Assim o afirmou de manhã, para se contradizer à tarde. Dispondo a aplicação informática da Direcção-Geral dos Recursos Humanos da Educação de campos distintos para averbar a menção quantitativa e a menção qualitativa da classificação profissional dos docentes, rapidamente se verificou uma situação caricata, gerada pela incompetência que grassa: como é sabido, se um professor recebeu 9 de menção quantitativa, a que corresponderia um Excelente que não viu outorgado (regime de cotas para os excelentes), mais verificou que a cegueira da aplicação informática não lhe aceitava o 9 da avaliação quantitativa. Apenas se compadecia com um 7, por exemplo, que ele não teve. Ou seja, a burrice da coisa (ou dos coisos, que gente não são certamente) penaliza-o duplamente.

      Surpresa? Não para muitos. Assim como um peixe pode nadar para aqui e para ali mas não pode passear-se em terra nem voar pelo céu, o celebrado Acordo só poderia dar nisto. Mais de 3 meses de conversa fiada deram, espremidos, tudo legalmente na mesma. Na mesma uma avaliação do desempenho sem rei nem roque, a que juntaram mais uma excrescência mole: apreciação intercalar, de seu nome. Terminarão premiados os oportunistas que avançaram para o Muito Bom e Excelente, contrariando o que Mário Nogueira garantiu ao povo? Em boa verdade, presumo que mais um jogo conciliatório de cintura o evitará a breve trecho. Mas porque nenhuma legislação o modificou, terão então a protestar, com razão legal, os que se virem rapados de 1 ou 2 valores de majoração, para efeitos de concurso. Uma trapalhada, sem volta a dar-lhe, que começou quando não suspenderam o que só podia ter o lixo por destino.

      Na mesma o estatuto, com titulares e não titulares e horários de escravidão e inutilidades. Na mesma os planos de estudo, sujeitos à cosmética dos esteticistas do regime. Na mesma o estatuto do aluno, reforçado com o branqueamento de inquéritos inoperantes e promessas de modificações que já existem. Na mesma a gestão das escolas, transformadas em pequenas ilhas de tirania, em locais de subjugação, de vivência dolorosa e inútil.

      A Educação nacional é governada por “snipers” da portaria e do despacho, que usurparam a democraticidade, destruíram a cooperação e ocuparam os centros de decisão com a política dos políticos, estejam eles no governo ou nos sindicatos.

      Santana Castilho,
      Professor do ensino superior
      in Público, 14 Abril

       a 2ª imagem: de Paula Rego, 'Salazar vomitando a pátria' - what else? 

      1 comentário:

      Margarida Alegria disse...

      Mais um excelente artigo de Santana Castilho.
      E mais uma situação vergonhosa das trapalhadas na Educação!
      Bjinho