09 fevereiro 2009

vómitos, candeias, resistências

o quadro: Paula Rego:
'Salazar vomitando a Pátria'

No Portugal obscuro da ditadura, a par dos cantores que entretinham (ainda que - alguns - magistralmente) , havia também os outros, os que intervinham, e se chamavam .. cantores de intervenção. A TROVA DO VENTO QUE PASSA, de Manuel Alegre, é, talvez por isso, cantada (e musicada) em duas versões distintas: uma para mais ou menos entreter, outra para subverter. Curiosamente, nenhuma das versões contempla o poema inteiro. Numa delas (popularizada por Amália Rodrigues), incluíram-se apenas as primeiras quadras, onde se 'choram' mágoas difusas, inexplícitas, mais ou menos inócuas: poderiam ser coitas de amor, saudade porque sim.
A outra versão (cantada por Adriano Correia de Oliveira) dispensa a 'modorra' das estrofes do meio, aponta dedos e caminhos, vai descendo até à última quadra num libelo acusatório, cada vez mais fundo, cada vez mais clamor. Cada vez mais, outra coisa. Ora vejam:

Trova do Vento que Passa [ música aqui ]

Pergunto ao vento que passa
Notícias do meu país
E o vento cala a desgraça
O vento nada me diz.


Mas há sempre uma candeia
Dentro da própria desgraça
Há sempre alguém que semeia
Canções no vento que passa.


Mesmo na noite mais triste
Em tempo de servidão
Há sempre alguém que resiste
Há sempre alguém que diz NÃO!

poema de Manuel Alegre , música e voz de Adriano Correia de Oliveira

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