19 setembro 2010

David Mourão Ferreira

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  • «Nós temos cinco sentidos: são dois pares e meio de asas. - Como quereis o equilíbrio?».

    • «Quem foi que à tua pele conferiu esse papel de mais que tua pele ser pele da minha pele?»


    Escritor português (Lisboa, 24.2.1927 – Lisboa, 16.6.1996): poeta, ficcionista, tradutor, dramaturgo, ensaísta, cronista, crítico literário, conferencista, professor. Licenciou-se em Filologia Românica (1951) com a tese «Três Coordenadas na Poesia de Sá de Miranda», pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
    Integrou os corpos redactoriais das revistas Seara Nova e Graal (1956-1957). Teve a seu cargo a rubrica de crítica de poesia no Diário Popular (1954-1957). A partir desse ano exerceu funções docentes na Faculdade de Letras como assistente, tendo desenvolvido um excepcional trabalho de organização e regência da recém-criada cadeira de Teoria da Literatura, onde desenvolve estudos pioneiros, entre nós, sobre o new criticism. Em 1963 o seu contrato foi rescindido, vindo a ser novamente reconduzido a partir de 1970, leccionando Literatura Portuguesa e Francesa, tendo-lhe sido concedido, nos últimos anos de vida, o estatuto de Professor Catedrático Convidado. O seu magistério marcou sucessivas gerações de estudantes, muitos dos quais se contam hoje entre as mais prestigiadas figuras da universidade portuguesa e do ensaísmo literário. (…) - por Teresa Martins Marques - fonte
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    3 poemas seus retirados daqui, daqui e daqui
    Casa

    Tentei fugir da mancha mais escura
    que existe no teu corpo, e desisti.
    Era pior que a morte o que antevi:
    era a dor de ficar sem sepultura.

    Bebi entre os teus flancos a loucura
    de não poder viver longe de ti:
    és a sombra da casa onde nasci,
    és a noite que à noite me procura.

    Só por dentro de ti há corredores
    e em quartos interiores o cheiro a fruta
    que veste de frescura a escuridão...

    Só por dentro de ti rebentam flores.
    Só por dentro de ti a noite escuta
    o que me sai, sem voz, do coração.

    *
    A pressa
    com que se despe
    .
    Nem na alma lhe apetece
    qualquer veste
    .
    A pressa
    com que se despe
    .
    Até da carne e da pele
    se pudesse.

    *
    E por vezes as noites duram meses
    E por vezes os meses oceanos
    E por vezes os braços que apertamos
    nunca mais são os mesmos E por vezes

    encontramos de nós em poucos meses
    o que a noite nos fez em muitos anos
    E por vezes fingimos que lembramos
    E por vezes lembramos que por vezes

    ao tomarmos o gosto aos oceanos
    só o sarro das noites não dos meses
    lá no fundo dos copos encontramos

    E por vezes sorrimos ou choramos
    E por vezes por vezes ah por vezes
    num segundo se envolam tantos anos.

    David Mourão Ferreira

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