Santana Castilho *
Em 26 de Fevereiro de 2007, escrevi, nesta coluna, sobre a “Parque Escolar, EPE” e alertei a opinião pública para o que facilmente se antevia. Não critiquei só a passagem da gestão do parque escolar público para o domínio empresarial por um governo que apregoava a autonomia das escolas e, hipocritamente, retirava aos seus gestores a capacidade de decidir sobre os respectivos espaços físicos. Critiquei, sobretudo, a forma, a meu ver imoral, que pré-ordenava o respectivo processo para envolver em opacidade e secretismo o dispêndio de enormes somas de dinheiro público. Com efeito, denunciei que a nova entidade podia vender, comprar e contratar por ajuste directo. Manifestei natural perplexidade por ver que a nova entidade, que poderia “... conceber, desenvolver e gerir unidades de negócio destinadas a potenciar receitas de exploração das escolas secundárias...” e exercer “… quaisquer actividades, complementares ou subsidiárias do seu objecto principal, bem como explorar outros ramos de actividade comercial ou industrial...”, tinha recebido, por decreto, a propriedade de 7 escolas secundárias localizadas em zonas nobres de Lisboa e Porto, com milhares de metros quadrados urbanizados. Manifestei ainda verdadeiro espanto por ver que a novel empresa pública tinha poderes para expropriar, embargar, cobrar taxas e decretar demolições. Escrevi então: preparem-se as clientelas!
Não só se prepararam. Instalaram-se! Alambazaram-se!
Três anos volvidos, a gorda “Parque Escolar, EPE” prepara-se para alapar, por simples via de despacho conjunto de dois membros do Governo, mais coisa menos coisa, 3 quartos das escolas de ensino secundário, que totalizam 4 centenas e meia de edifícios, distribuídos por todo o país. Com discurso para tranquilizar incautos de asinhas brancas, o Governo vai dizendo que se trata de garantir uma gestão mais eficiente e que não está em questão qualquer transferência de património para o sector privado. Pois sim! Quanto ao primeiro aspecto, é só olhar para os resultados da maioria das empresas públicas, designadamente o desastre da gestão empresarial dos hospitais, para acreditarmos piamente. No que toca ao segundo, basta recordar as empresas públicas já privatizadas, com o competente património, naturalmente, ou perguntar como pagará a “Parque Escolar, EPE” o capital e os juros de um empréstimo de 300 milhões de euros já contraído e de outros que se seguem, da ordem dos 850 milhões, para ficarmos em paz futura. Por agora, já sabemos como gastou parte dos mais que 3.000 milhões de euros que poderá gerir: sem concursos públicos, sem transparência, com a discricionariedade em lugar da livre concorrência. Até as publicações no respectivo sítio da Internet, previstas pelo Código dos Contratos Públicos, foram remetidas às malvas. Tudo numa suíça sincronização de dribles perfeitamente legais mas de duvidosa ética pública. Tudo como convém ao ambiente dos favores dúbios e a quem tem da Educação a visão simples de mais um negócio.
Ao lado do problema central, acumulam-se os episódios habituais de tudo o que é feito de forma atabalhoada, na ganância de abocanhar antes que a oportunidade acabe: são soluções arquitectónicas questionáveis e escolhas de materiais que coabitam mal com o património edificado; são ambientes escolares insuportavelmente prejudicados pela convivência forçada com obras que se prolongam por meses seguidos; são pavimentos terminados e logo estragados pela presença e circulação de materiais de obra; são infiltrações surpreendentes em obras novas e tectos que caiem; são bibliotecas e refeitórios que desaparecem; são sistemas de climatização que não funcionam (sufoca-se nuns locais e gela-se noutros); são puxadores de portas que ficam nas mãos dos utentes, revestimentos impróprios em zonas desportivas, torneiras acabadas de montar que não vedam e falhas inexplicáveis de segurança em espaços específicos. A cereja em cima desta precipitada forma de fazer as coisas consubstancia-se no recente anúncio da demolição de uma escola em Torres Novas, construída há oito anos, com um milhão de euros de custo. Razão? Pasme-se: não respeita as exigências instituídas em 2006 sobre a qualidade do ar e a certificação energética. Lá iria Portugal inteiro abaixo se o despudor se propagasse!
A crise económica que nos sufoca é consequência de variáveis que nos escapam e de políticas erradas que o Governo impôs. A crise da justiça faz perigar o Estado de Direito, abala a nossa jovem democracia e escapa ao controlo dos professores. Mas espanta a pacificidade da classe quando lhe levam sem reacção a própria casa. Teimo por isso em citar Sun Tzu pela segunda vez em poucos dias:
“… Se conheces o inimigo e te conheces a ti mesmo, não precisas temer o resultado de cem batalhas. Se te conheces mas não conheces o inimigo, por cada vitória sofrerás uma derrota. Se não te conheces nem a ti próprio nem ao inimigo, perderás todas as batalhas. …”
A privatização das escolas públicas, que se prepara, serve os cidadãos, os alunos e os professores? A sistemática destruição dos serviços públicos serve o país? Que responda a consciência do Estado, se é que dela resta algo!
* Professor do ensino superior. s.castilho@netcabo.pt
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