carta aberta, por Miguel Portas
Dirijo esta carta em primeiro lugar à nova embaixadora do reino de Marrocos. Só a urgência da circunstância me leva a torná-la pública. No aeroporto de Lanzarote encontra-se uma mulher que hoje entrará no seu 14.º dia de greve de fome. Conheci-a em Bruxelas e acompanhei-a durante a semana que esteve em Portugal. Essa mulher chama-se Aminetu Haidar. Vive em El Ayoun com a sua mãe, dois filhos e um irmão. Vive? Vivia. Até ter sido deportada no passado dia 12 de Novembro.
Dirijo esta carta em primeiro lugar à nova embaixadora do reino de Marrocos. Só a urgência da circunstância me leva a torná-la pública. No aeroporto de Lanzarote encontra-se uma mulher que hoje entrará no seu 14.º dia de greve de fome. Conheci-a em Bruxelas e acompanhei-a durante a semana que esteve em Portugal. Essa mulher chama-se Aminetu Haidar. Vive em El Ayoun com a sua mãe, dois filhos e um irmão. Vive? Vivia. Até ter sido deportada no passado dia 12 de Novembro.
Eu sei que o Rei de Marrocos declarou recentemente que não renunciaria a um grão de areia do Sahara e que considera a sua parte ocidental como território do reino. Não é sobre isso que pretendo argumentar. O meu ponto é outro: sei que Aminetu Haidar levará o seu gesto até às últimas consequências e quero fazer o que puder para o evitar.
Como sabe, Aminetu Haidar foi detida pelas autoridades no aeroporto de El Ayoun porque no formulário de entrada escreveu ‘Sahara ocidental' onde se esperava que escrevesse ‘Marrocos'. Saiba, senhora embaixadora, que ela sempre assim procedeu antes. Mas mesmo que assim não tivesse sido, tal atitude não justifica detenção, confisco de passaporte marroquino e deportação. O que as autoridades do seu país, de que tanto gosto, fizeram, foi usar de um pretexto administrativo para impedir esta activista de regressar à sua cidade e à sua família sem terem que a prender de novo. Nem liberdade nem prisão, deportação. Porque Aminetu preencheu indevidamente os formulários de entrada...
Sem discutir a questão Sahara ocidental, reconhecerá que a causa de Aminetu Haidar - acreditar que os sarauís têm direito ao seu Estado - é pelo menos tão respeitável quanto a sua. Acresce que o activismo deste rosto da resistência saharauí é pacífico e decorre num contexto em que o diferendo se procura resolver pela via do diálogo mediado por instâncias internacionais. Invocar um procedimento administrativo para expulsar o símbolo de um povo da sua própria terra é algo que não honra quem o pratica. Por isso apelo. A morte de Aminetu Haidar pode ser evitada desde que ela possa regressar a sua casa.
Dirijo-me agora ao embaixador espanhol em Lisboa. Não é razoável que um país que não reconheceu a ocupação do Sahara ocidental pelo reino de Marrocos aceite a entrada contrariada de Aminetu Haidar em Lanzarote e lhe ofereça a condição de refugiada - porque ela não quer tal estatuto, mas ser cidadã na sua própria terra; e porque não é compreensível que Espanha aceite o papel que o reino de Marrocos lhe destinou - resolver o problema que ele próprio criou.
As linhas finais desta carta dirigem-se ao primeiro-ministro português e a Luís Amado: o que nos idos de 74 ocorreu nas areias do Sahara - a entrada de Marrocos após a saída dos espanhóis - lembra demasiadamente os acontecimentos de Timor Leste. Portugal só pode ter uma posição pró-activa neste caso porque nenhum negócio justifica o silêncio em matéria de Direitos Humanos. A realpolitik tem limites.
Miguel Portas, texto publicado no jornal Sol de 27 de Novembro
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