15 junho 2009

Daniel Faria, in memoriam

Dois poemas de Daniel Faria, que morreu em 1999, aos 28 anos:


Estranho é o sono que não te devolve.
Como é estrangeiro o sossego
de quem não espera recado.
Essa sombra como é a alma
de quem já só por dentro se ilumina
e surpreende
e por fora é
apenas peso de ser tarde. Como é amargo não poder guardar-te
em chão mais próximo do coração.

in Explicação das Árvores e de Outros Animais (1998)

fonte

Este é o dia novo. Sei-o pelo desejo
De o transformar. Este é o dia transformado
Pelo modo como apoio este dia no chão.
Coloco-o na posição humilde dos meus joelhos na terra
Abro-o com os olhos que retiro de todas as coisas quando os fixo
Na atenção.

E fico atento, fico deitado porque não sei crescer
Num terreno que se levante.
Cresço na clareira de um homem que é uma palavra
Na sua túnica inteira
Porque este é o sítio do dia sem horário

Sem divisões

E ponho-me de frente no seu lado,
Nos seus braços abertos para me unir
E entro pelo lado aberto e ardo – como Elias
Em chamas subindo para o céu.

in Homens que são como Lugares mal Situados (1998 )

(fonte, aqui)


"Escrever sobre uma voz de poeta que foi bem mais do que uma promessa..."
- opiniões sobre o poeta

"Agora está morto e relembro claramente o corte da dor que me anunciou a sua morte. Era um poeta muito mais novo do que eu por isso muitas vezes fala uma linguagem desconhecida, mas a densidade dos seus poemas como uma aparição súbita mostra aqueles fragmentos que a nossa alma relembrará."
Sophia de Mello Breyner Andresen, Legenda para uma casa habitada


"Apesar da confiança que lhe davas - parece-me que lhe permitias andar pelos teus versos com demasiado à vontade - não devias ter deixado que viesse assim, às portas do Verão, a morte. Naqueles dias em que ainda acreditava poder outra vez voar no teu olhar, recordo-me de imaginar-te a vaguear numa branca solidão, suspenso, hesitante entre o teu ofício de ordenar as palavras, como quem ordena simples bocadinhos de papel de cor sobre um cartão, ou ser ordenado pela Palavra que tanto amavas."
Nuno Higino, Legenda para uma casa habitada

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