20 setembro 2010

poetas portugueses: Joaquim Pessoa

retirado daqui:

Poeta, publicitário e pintor,  Joaquim Pessoa é uma das vozes mais destacadas da poesia portuguesa do pós 25 de Abril, sendo considerado um "renovador" nesta área. O amor e a denúncia social são uma constante nas suas obras, e segundo David Mourão Ferreira, é um dos poetas progressistas de hoje mais naturalmente capazes de comunicar com um vasto público.
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2 poemas retirados daqui:
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Europa acidental

Aqui nem, mal nem bem
Aqui nem bem nem mal.

Aqui se alguém não é ninguém
É porque a gente nasce
De um modo ocidental:
Vivem uns bem e outros mal.

E afinal
É natural (naturalmente)
Que haja gente também
Gente que é gente de bem
E gente que é apenas gente.

Europa acidental.

O mal
É Ter na nossa frente
Um mar de sal.
Um mar de gente
Que de repente
(é assim mesmo: de repente)
fica vazio e sem ninguém
se um dia alguém
por mal ou bem
quiser ser gente.

*
Outono

Uma lâmina de ar
Atravessando as portas. Um arco,
Uma flecha cravada no Outono. E a canção
Que fala das pessoas. Do rosto e dos lábios
das pessoas.
E um velho marinheiro, grave, rangendo o
cachimbo como
Uma amarra. À espera do mar. Esperando o
silêncio.
É outono. Uma mulher de botas
atravessa-me a tristeza
Quando saio para a rua, molhado como um
pássaro.
Vêm de muito longe as minhas palavras,
quem sabe se
Da minha revolta última. Ou do teu nome
que repito.
Hoje há soldados, eléctricos. Uma parede
Cumprimenta o sol. Procura-se viver.
Vive-se, de resto, em todas as ruas, nos
bares e nos cinemas.
Há homens e mulheres que compram o
jornal e amam-se
Como se, de repente, não houvesse mais
nada senão
A imperiosa ordem de (se) amarem.
Há em mim uma ternura desmedida pelas
palavras.
Não há palavras que descrevam a loucura,
o medo, os sentidos.
Não há um nome para a tua ausência. Há
um muro
Que os meus olhos derrubam. Um estranho
vinho
Que a minha boca recusa. É outono
A pouco e pouco despem-se as palavras.
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