onde o fogo
de um verão
muito antigo
cintila,
a boca espera
(que pode uma boca
esperar
senão outra boca?)
espera o ardor
do vento
para ser ave,
e cantar.
.........
Levar-te à boca,
beber a água
mais funda do teu ser -
se a luz é tanta,
como se pode morrer?
Eugénio de Andrade
... ... ...
Toco a tua boca.
Com um dedo, toco a borda da tua boca, desenhando-a como se saísse da minha mão, como se a tua boca se entreabrisse pela primeira vez, e basta-me fechar os olhos para tudo desfazer e começar de novo, faço nascer outra vez a boca que desejo, a boca que a minha mão define e desenha na tua cara, uma boca escolhida entre todas as bocas, escolhida por mim com soberana liberdade para desenhá-la com a minha mão na tua cara e que, por um acaso que não procuro compreender, coincide exactamente com a tua boca, que sorri por baixo da que a minha mão te desenha.
início do capítulo 7, "O Jogo do Mundo"(Rayuela), Julio Cortázar
quadros de Gustav Klimmt
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