Poucos foram os grandes nomes da cultura portuguesa que escaparam ao crivo da censura repressiva. Uma lista enorme de autores, onde constam alguns dos maiores vultos de sempre da nossa cultura, foi divulgada logo a seguir ao 25 de Abril de 1974 pela Comissão Directiva da Associação dos Editores e Livreiros Portugueses.
Apesar de a censura não se aplicar directamente aos livros, estes eram com facilidade retirados do mercado e os seus autores ou editores sujeitos a castigo.
Foi o que aconteceu ao grande escritor Aquilino Ribeiro. Em 1959, com 74 anos de idade, o maior romancista português do seu tempo vê-se perante a barra do Tribunal, indiciado num processo por delito de opinião, em que a pena de prisão poderia ir até oito anos. Isto por ter publicado o romance Quando os Lobos Uivam, onde retratava uma realidade da vida camponesa, na Serra da Estrela, que desagradou ao regime de Salazar.
Para Heliodoro Caldeira, advogado de Aquilino Ribeiro nesse famoso processo e, também ele, um homem habituado nas lides do combate contra a ditadura, o caso explicava-se em meia dúzia de palavras, conforme teve oportunidade de expor aos autos de defesa do seu constituinte, onde, a dado passo, afirma o seguinte:
Através do presente processo, mais do que provar umas pretensas ofensas a tais e tais pessoas ou denunciar um ataque a certa estrutura política, o que parece procurar-se é coarctar o direito de um escritor fazer qualquer obra de ficção em que por transposição imaginativa tome posição acerca dos problemas que respeitem ao meio em que está integrado.
Quer dizer, pretende-se relegar o artista à situação de simples escrevinhador de histórias, que não têm outra função senão a de divertir o bom burguês satisfeito com a vida e com o mundo. Acabar-se-á de uma vez para sempre com a liberdade de pensar, e ninguém pense mais em emitir juízos quanto à sociedade em que vive, passando todas as estruturas a ser inatacavelmente perfeitas, e nelas tudo correndo panglóssicamente pelo melhor. Seria o último estádio de um lento processo com o fim de esmagar toda e qualquer manifestação de inteligência, de aniquilar o indivíduo como ser pensante e de o acorrentar bovino e passivo ao arado de que o Poder segura a rabiça.
A obra literária, tornada meio de embrutecimento e de nirvanação, iria caindo aos poucos num formalismo académico, num anedotário para bacocos, todas as formas destituídas, a preceito, de conteúdo. E adeus literatura, adeus cultura, adeus personalidade nacional!
A obra literária, tornada meio de embrutecimento e de nirvanação, iria caindo aos poucos num formalismo académico, num anedotário para bacocos, todas as formas destituídas, a preceito, de conteúdo. E adeus literatura, adeus cultura, adeus personalidade nacional!
Episódios como este, passado com Aquilino Ribeiro, davam para encher páginas e páginas contando situações vividas por outros nomes da craveira intelectual do grande mestre do romance Quando os Lobos Uivam. Alguns estão ainda vivos. E muitos são aqueles que, com maior ou menor impacto, conheceram a violência da censura no seu pensamento escrito, quando, não mesmo, a violência da brutalidade física na sua carne e na sua dignidade.
in Vidas Lusófonas
http://www.vidaslusofonas.pt/livros_e_censura.htm
in Vidas Lusófonas
http://www.vidaslusofonas.pt/livros_e_censura.htm
Aquilino Ribeiro e Paredes de Coura
postado por ana lima
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