23 setembro 2011

a insustentável perspectiva

.

Hoje faltei. Não suportei a perspectiva de ficar 12 horas na escola, as últimas 3 em sofrimento atroz - e não exagero! - o que me causam agora as reuniões, todas as reuniões - um massacre sistematicamente infligido, como se fossem necessárias, como se fossem úteis, importantes. Não são. Não nestes moldes de obrigatoriedade e excesso, de impossibilidade anímica.
.
Ainda pensei ir dar as aulas, meter depois o artigo 102 para justificar 4 tempos (2 por cada reunião) - que equivaleriam a um dia de faltas. É esta a situação dos professores: leis absurdas que nos subjugam, que, mais assustador ainda, a maioria nem sequer contesta. Que os sindicatos ignoram, tal como o ministro.

Hoje. Estava a preparar materiais para os meus alunos desde as 6 da manhã, quando me dei conta já passava das 8, impossível chegar a tempo, começava às 8.15. Dez minutos de atraso (no auge da febre-mlr chegaram a ser 2!!!, nesta escola onde estou ..) e terei de justificar 45 ou 90, dependendo se é ao 1º tempo ou noutros. Posso até estar na escola - a trabalhar, e não me dar conta de que o tempo de entrada passou (não há toques), ou a vomitar na casa de banho, e não chegar a tempo: 2 tempos de faltas, os 90 minutos que dura cada uma das minhas aulas.

Hoje. Faltei. Tenho estado intermitentemente a preparar materiais para os meus alunos. Que lhes envio por mail, que poderei ainda colocar na plataforma moodle. Nos intervalos durmo, fujo, ainda que tenha pesadelos que me representam encurralada, labirintos sem escapatória possível. Praticamente não como, sinto-me enfartada, as digestões que faço mal. Escrevo num intervalo, quero dar testemunho deste des-ser. Escrevo e falta-me o ar, o meu eu consciente assombra-me de remorsos pelos meus alunos, por não ter estado lá, hoje. Talvez por isso vou trabalhando para eles num dia penalizado com falta a descontar no período de férias. Como provavelmente trabalharei no sábado, e no domingo.

Evito agora a minha família, não quero preocupar sobretudo a minha mãe, deixar que se aperceba deste mal-estado. Há dias uma colega confidenciou fazer o mesmo, em relação ao dinheiro que lhe falta: a prestação da casa, as propinas do filho. Carreiras congeladas há anos, ordenados com actualizações muito inferiores aos níveis de inflação, por várias anos aumentos zero para a Função Pública, de que os professores seriam um grupo à parte, daí o ECD. E são-no, relativamente às faltas, por exemplo: 7 por ano para nós (não mais do que um dia ou 4/ 5 tempos por mês, depende), 11 para eles, com possibilidade de 2 dias por mês.

Quando comecei a dar aulas (e nunca achei que tivesse uma 'vida regalada'!!), podia dar 24 dias de faltas por ano (2 por mês), justificáveis ao abrigo do que era então o artigo 4.º. O 1.º ECD com que nos brindaram em 1988 reduziu-os logo para metade, retirou-nos o direito às fases, às diuturnidades. O 2.º, para 5 (menos de metade) - obra da mulher que, para "ganhar o país, perdeu os professores" - aviltando-os e espezinhando-os com prazer sádico. Uma mulherzinha ressaibiada que devia estar presa por danos irreversíveis a toda uma classe, e eu diria mesmo, por homicídio/classicídio premeditado!! A ministra dos sorrisos e do pouco pensar alargou os 5 dias para 7. O actual nem se deu ao trabalho de fazer contas. Saberá ele da disparidade relativamente ao resto da FP? Duvido. Como, decerto, não saberá que uma falta a uma reunião, num dia livre que um professor tenha, equivale a um inteiro dia de faltas - descontável no período de férias, sem direito a subsídio de refeição (4 euros e uns cêntimos). Acho que ele também não sabe - nem isso lhe interessará minimamente - que um professor pode repor uma, 'n' aulas que não tenha dado, e muitos o fazem agora a bem da sua avaliação e para massacre dos alunos, que entretanto terão tido uma farsa de substituição.. As faltas que o professor deu, apesar de as ter reposto, mantêm-se, e as inerentes penalizações também.

Hoje faltei. Era-me insustentável a perspectiva de permanecer 12 horas no meu local de trabalho, da tortura destas reuniões sem sentido, ao fim do dia, no limite do cansaço. Não estive fisicamente doente, ainda que haja doenças tão ou mais incapacitantes que as físicas, tão ou mais mortíferas. Se até ao fim do mês chegar atrasada a uma aula terei de justificar a falta com atestado médico, assim é a lei. Não posso 'prolongar' as aulas, repor os 10 minutos como outros profissionais, não posso invocar que trabalhei em casa muito mais horas do que as que me pagam, que uma coisa devia compensar a outra.
.
Conviver diariamente com o absurdo, tentar sobreviver a todos os eternizados processos "monstruosos e kafkianos"  (e a ADD é apenas um exemplo!) que o PM  prometeu suspender e descartou sem remorso e que o ME ignora ou despreza. Ser professor é também isto. É, agora, sobretudo isto. Não devia.
.

o quadro é de Júlio Resende , falecido na 4ª feira passada (ler)
.

Sem comentários: