02 julho 2011

Passos Coelho: a estória de uma suspensão anunciada

post reposto e acrescentado ..
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Em Março, podia-se revogar (o processo, 'monstruoso' e 'kafkiano', de avaliação de professores) porque, nessa altura, o Governo ficava com seis meses para preparar um novo modelo de avaliação, agora só temos três meses, o que é tempo insuficiente. - PPC na apresentação do programa do governo, AR, 30 de Junho

Ora, sr. PM: não faça de nós parvos! E, por favor, poupe-nos às  esfarrapadas justificações que agora inventa, só para não cumprir o que prometeu!! 

1.º: mesmo sem alternativa, um modelo "monstruoso e kafkiano" não tem, por essas mesmas características, o direito a ser perpetuado. Muito menos à custa do sacrifício de milhares de professores e do bom funcionamento das escolas, só porque o senhor agora já não quer, ou não tem coragem, para lhe pôr fim.

2.º:  a não existência de um não pode servir de justificação para a não suspensão do outro. É assim como se um medicamento mal receitado e fatal continuasse a ser ministrado a um paciente!

3.º:
um modelo alternativo bem gizado, justo, exequível, mereceria, decerto, que se parasse para pensar: 3 ou 6 meses, um ano, dois anos. Que prejuízo adviria daí para os alunos, a escola, o país?! Não estão, além do mais, congeladas as carreiras dos professores? Sejamos coerentes!

4.º:
  há 6 meses, o governo estava demissionário, e a AR prestes a ser dissolvida

5.º:
o partido do governo votou contra o projecto de suspensão que o senhor apresentou!!- não ia, com certeza, preparar qualquer alteração a algo que defendia!!

6.º:
  o senhor já na altura se apresentava como potencial candidato a vir a formar governo. Era o senhor que devia ter começado a preparar o novo modelo de ADD!!

7.º: 
já em pré-campanha, o senhor continuou a iludir-nos a todos, insistindo na bondade - e urgência! - da suspensão deste modelo. (ver evidência 2)
 
8.º:
o senhor mentiu: quando, em entrevista para a SIC, Clara de Sousa o acusou de não ter proposto qualquer alternativa, o senhor respondeu-lhe, e cito: «Propus, sim!» - ou seja, já tinha alternativa!! (a prova está aí em vídeo, para que se lhe avive a memória. É que, sabe, até para mentir é preciso alguma ciência..)

9.º: o senhor enganou-nos: o programa eleitoral do seu partido dizia textualmente: "A substituição do actual modelo de avaliação do desempenho dos docentes é uma iniciativa de particular importância e urgência. (...) O Governo do PSD apresentará, no início da legislatura, (...) uma proposta de um novo modelo de avaliação do desempenho docente, assente nos princípios já elencados (...)"

10.º: ou seja, a alternativa - que o senhor propôs e agora diz não ter preparada!, já estava consubstanciada em 'princípios' contidos em livro que o senhor muito bem conhece, que até prefaciou, veja bem!! A alternativa deu-lha Santana Castilho de mão beijada, há 3 meses! O senhor é que, tendo-lha alegadamente pedido, a dispensou, o que me leva à conclusão óbvia de que não a queria. Pior ainda, de que já nessa altura NÃO TENCIONAVA USÁ-LA! E isso, na minha opinião, sr. PM, só tem um nome: DESONESTIDADE!

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evidência 1: entrevista de Clara de Sousa (CS) a Passos Coelho (PC) em 25 de Março de 2011:
  • CS: «...uma notícia de hoje acabou com o modelo de avaliação dos professores .. A iniciativa foi do PSD, ... (pausa) mas não propôs nenhum modelo alternativo.»
  • PC: «Propus sim! É verdade!» (diz, todo sorrisos e com ar ufano - que agora, a bem dizer, me parece 'pinoquiano' ..) 
  • CS .. (tenta interromper ..)
  • PC: «Olhe, Clara de Sousa, tenho muito gosto em deixar ...» (e estende uns papeis à entrevistadora - o tal modelo alternativo, supongo...)
  • CS: ....
  • PC: «Mas eu vou dizer ..» .. «mas eu vou dizer..» ... «Deixe-me dizer-lhe pelo menos duas coisas. Que são importantes.»
  • PC: «A primeira é, o PSD tomou, não uma atitude eleitoral, mas uma atitude de meridiano bom senso .. que já constava do programa eleitoral da dra. Manuela Ferreira Leite ....» (- bom, afinal, tempo, papa feita, houve, e de sobra!!)
    • PC: «O actual modelo de avaliação de professores .. de desempenho de professores .. É UM PROCESSO MONSTRUOSO E KAFKIANO. O PSD comprometeu-se nas últimas eleições a suspender esse processo e a propor um outro.» (.. levantando um dedinho conciliador e auto-crítico..): «É verdade que, na altura das eleições, não propôs. NÓS hoje PROPUSEMOS! Propusemos a  suspensão do actual e um novo modelo que possa ser desenvolvido.»
      • CS: «Já está desenhado esse modelo?»
      • PC: «ESTÁ AQUI DESENHADO. Em que termos? Em termos de distinguir .. o que é .. (e olha para a cábula..) a avaliação de desempenho da classificação de desempenho. São coisas completamente diferentes (ora aqui está: ipsis verbis o que disse/escreveu Santana Castilho!, ou não estão lembrados??)
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      evidência 2:  (já nada disto o preocupa, sr. PM?!)

      « suspender este modelo de avaliação pode contribuir para pacificar a vida das escolas e dar aos professores a possibilidade de se focarem melhor naquilo que é a sua vocação, que é ensinar! » - PPC, Abril de 2011
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      evidência 3:  (quem te viu/ouviu e quem te vê/ouve!)
       
      «Os professores não precisam de ter um exército burocrático, nem de que todos os dias os informem de como devem dar as aulas..»  
      «Ai do ministro da educação que pense que tem de mudar os professores para reformar a Educação!»

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      mais um auxiliar de memória: de "O Ensino Passado a Limpo", de Santana Castilho - excertos do prefácio escrito e assinado por Passos Coelho:
      • «O Ensino Passado a Limpo” é assumidamente um contributo público para um novo programa de actuação política no domínio da Educação. O seu autor, Professor Santana Castilho, é uma das personalidades que, com grande independência e não menor pertinência, mais se tem destacado em Portugal no debate sobre a política educativa. Habituei-me, sobretudo ao longo destes intensos anos que marcaram a última década, a ler e ouvir muitas das suas críticas e propostas, na forma de entrevistas, artigos e edições dedicadas a esta temática. Não escondo que, à medida que se adensavam as conturbações trazidas pelas sucessivas tentativas de reforma educativa, mais certeiras me foram parecendo as suas observações críticas e maior simpatia fui sentindo pela sua análise serena mas acutilante.» - PPC
      • «Quem realiza verdadeiramente as transformações são os múltiplos agentes que operam e intervêm diariamente no processo educativo, sendo o legislador apenas uma das partes envolvidas. Neste sentido, as reformas só estarão adquiridas se aqueles que são os agentes da mudança as tomarem como suas também. Não significa isto que um processo reformista tenha de ser normalmente consensual, mas se for por princípio tomado como sendo de carácter impositivo ou “confrontacional” tenderá a ser rejeitado como se se tratasse de um qualquer corpo estranho e a deixar as marcas próprias desse tipo de defesa com que os organismos vivos reagem. É assim do puro domínio da boa Política perceber estes processos e liderá-los numa base de parceria para que possam ser bem-sucedidos.» - PPC
      • «...é importante reconhecer que os últimos anos têm trazido uma burocratização insuportável em torno de todo o processo educativo, descaracterizando as missões dos diversos intervenientes, sobretudo notório no caso dos professores, e desvirtuando o propósito implícito aos procedimentos, como foi o caso mais revoltante da avaliação de desempenho.» - PPC
      • «As más políticas e a instabilidade têm provocado estragos grandes que não têm de ser irreversíveis se actuarmos depressa. Mas só a boa resposta política pode ser capaz de restaurar a nossa capacidade para mudar no sentido que é necessário e desejado pela maioria. Esta obra (O Ensino Passado a Limpo) ajuda-nos a concretizar essa mudança.» - PPC
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      Precisamente, dr. Passos Coelho! Desde que foi eleito, o senhor tem vindo a demonstrar à saciedade que, pelo menos no domínio da Educação, é, não só de uma incoerência confrangedora e inaceitável, como também, perfeitamente incapaz de dar qualquer 'boa resposta política'.  Assim sendo, nem o senhor nem o seu ministro são as pessoas indicadas para operarem a 'tão necessária mudança' que leve a que os 'muitos estragos' não sejam 'irreversíveis'.

      Aqui há tempos (que não hoje..) , ter-me-ia espantado de que não se desse conta, também o senhor, desta evidência! Um conselho, uma pergunta :
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      POR QUE NÃO SE DEMITE?  
      e por que não leva atrás o seu triste ME?! 
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      Seria ... pois, 'seria' .. a única atitude honesta a tomar. .
      É que, sabe.. «Não se brinca com o país! Não se brinca com os portugueses!» - Passos Coelho (o próprio!..) acusando José Sócrates: aqui  [bom, é certo que isto foi dito em campanha eleitoral... não seria para levar a sério, é isso, PPC?]

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      e para que se veja o abismo da diferença, excertos de uma entrevista a Santana Castilho, pela Educare:
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      E: Critica duramente o modelo de avaliação, referindo que é "tecnicamente uma nulidade e politicamente um desastre". Contra a avaliação ou a favor de um outro método avaliativo?
      SC:A avaliação é uma coisa distinta da classificação. Um primeiro-ministro e uma ministra da Educação ignorantes e que odiaram os professores confundiram os dois conceitos e impuseram, à bruta, um sistema de classificação inqualificável. Não sou contra a avaliação, desde que seja exequível e contribua para melhorar a qualidade do sistema de ensino e a qualidade do desempenho dos professores. Qualquer inteligência média compreende isto.
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      E:  Avaliar as atividades da tutela é uma das medidas que propõe no seu livro. Desconfiado com a atuação do Ministério?
      SC: Como em qualquer sistema, quem dirige é o primeiro interessado em ter elementos constantes que permitam corrigir rotas mal traçadas. Um Ministério da Educação não é um califado a que se deva obediência cega, ou um papado infalível. Não é uma questão de desconfiança. É uma questão de mudança de paradigma. Auscultar o que os portugueses pensam da aplicação das políticas delineadas pelo Ministério da Educação parece-me ser um belo começo para que professores, pais e alunos se sintam cada vez mais como entidade coesa. Utopia? Talvez! Mas um grande Professor (a maiúscula é intencional), que também foi poeta, ensinou-nos, há muito, que o sonho comanda a vida. fonte
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      Pois.. há quem saiba o que diz, o que seria necessário fazer. pena que competência, honestidade, coerência, estejam tão nos antípodas dos fazedores de política ..
      Tivesse PPC usado de bom senso, e as escolas já estariam 'pacificadas', o ensino e a educação na rota da desejável, imprescindível, urgentíssima MUDANÇA. pena ..

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      um post que aqui pus em 7 de Junho, "Educação, um pacto de silêncio"
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      2 comentários:

      Mário Carneiro disse...

      Olá, Ana,

      Já li e já fiz o link n' «O estado da Educação».
      Foi um bom trabalho de reconstituição dos factos.
      Bjinhos

      AL disse...

      obrigada, Mário! bjis