28 julho 2011

ora então os exames nacionais

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começo, pegando no título de um artigo de Henrique Raposo (www.expresso.pt), «As escolas desistiram de ensinar português?» aqui
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Preâmbulo: não sou professora de português e a escola onde trabalho é uma escola pública normal, tendo por referência a margem sul.
Todos os anos os alunos da minha escola (não sei se de todos os anos de escolaridade) cumprem uma actividade que tem por título base: "Escrever à maneira de ..." . Todos os anos é, deste modo, homenageado um autor (José Saramago em 2011..). Todos os anos o produto final deste trabalho é um livro com recolha dos melhores textos dos alunos: óptimos, comoventes de tanta qualidade. Livro esse por várias vezes subsidiado, premiado, pela autarquia ou outra instituição.

Os professores de português não só ensinam português, como o fazem através dos mais exímios 'falantes' da língua, apesar dos programas mais ou menos arrevesados que saem do ministério da educação. E saibam que há alunos que escrevem maravilhosamente, com sensibilidade, criatividade, imaginação, domínio correcto das estruturas da língua. Muitos deles (quase todos) dão erros ortográficos. A maior parte (incluindo os do 12.º) não saberá o significado da palavra 'deíctico'. Sabê-lo-ão Nuno Crato, Pedro Passos Coelho, Cavaco Silva, os deputados 'especialistas em educação' Amadeu Albergaria e Michael Seufert? Eu ... punha as mãos no fogo!  (não se preocupem, o word também não a (re)conhece..) [ver no fim]

É que, se por um lado, os exames enfermam do problema (grave!) de alterarem as regras do jogo sem pré-aviso, (1) o verdadeiro cerne da questão das alegadas não-aprendizagens, a português, está irremediavelmente ligado a uma prática nacional recorrente que poderia dar pelo nome de "experimentação esquizóide" (2).
Eu explico:

(1) dos exames:
Aquilino Ribeiro, por Artur Bual
Não sei se foi o caso, este ano, com a disciplina de português. O que sim, sei, é que no último ano em que fui chamada a corrigir provas do 12.º (de inglês, a disciplina que lecciono) me deparei com um modelo que em nada respeitava a matriz ou o tipo de prova dos anos anteriores. [O ME costumava publicar (não sei se ainda o faz..) uma 'prova modelo' para orientação de professores e alunos e, nos anos em que isso não acontecia, vinham indicações para as escolas de que se mantinha actual a última publicação.]
Seja o que for que se argumente em defesa ou ataque das práticas lectivas correntes, o que é facto é que, em anos de exame, os professores orientam toda a sua leccionação, envidam todos os seus esforços (muitas aulas suplementares, por exemplo .. nem vos passava pela cabeça, pois não?..)- para que, precisamente, os seus alunos obtenham sucesso - nos exames! Ora, quando eles furam as regras, segue-se o descalabro, obviamente. Foi público que os maus resultados deste ano se deveram à má prestação nos grupos de gramática, em que não se teria insistido tanto nos anos anteriores. Significa isto que quem agora elaborou as provas de exame é mais exigente que os seus antecessores? Não, e não. Significa, tão só, uma visão (subjectiva) de prioridades, uma opção sobre o que avaliar, e como...
E eu pergunto: num 12.º ano, o que será, de facto, importante? - que os alunos saibam o nome da função gramatical desempenhada por uma palavra na frase, ou que, não o sabendo, sejam capazes de escrever textos bem esquematizados, com organização lógica de ideias e frases elaboradas, as palavras funcionando todas nos sítios certos, que demonstrem até possuir um invulgar domínio da língua através, nomeadamente, do uso comedido, inteligente, selectivo, de figuras de estilo?
Para mim, a resposta é óbvia.

É-o tanto mais, e passo ao outro ponto, porquanto ...

(2) da tutela e das suas decisões

Em Portugal, a 'nomenclatura' das coisas passa a vida a mudar e, convenhamos, assim não há quem se entenda! Para mim, que sou professora de inglês, o que era um 'complemento directo' quando há mais de 30 anos comecei a dar aulas continua a ser um 'complemento directo', um 'sujeito' um 'sujeito', etc. etc. Pois não a português! Os iluminados do ministério ou do governo (vide o caso do 'para-quê-novo-acordo-ortográfico!!) decidem alterar tudo vezes sem conta (a bem dizer, a cada novo governo!!) sem fazerem qualquer avaliação do que havia anteriormente (e não só em metodologias de ensino!), passam da gramática estruturalista (de F. de Saussure) para a generativa (de N. Chomsky, 'gerativa' em português do Brasil e ñ há acordo q lhe valha..) e dessa para uma outra qualquer - para ... ? para justificarem doutoramentos subsidiados? para darem visibilidade, fama, proveito, a teses de afilhados? Dos porquês não sei, as consequências sinto-as no dia a dia, mormente a nível da disciplina que ensino, e que exige referência de aprendizagens na língua materna.
Não me esqueço do dia em que o meu filho, pequeno de uns 8 anos, me chega a casa todo ufano: «Hoje aprendi as 'oxítonas', 'paroxítonas' e 'proparoxítonas'!» !!?? Para mim, eram as palavras 'agudas', 'graves', esdrúxulas'. Não faço ideia que nome lhes darão os meus alunos, hoje. Calculo que os pais deles também não, circunstância essa bem adversa: impede que ajudem os filhos nos tpc e afecta-lhes a auto-estima, sabem como é, aquela sensação de estar 'por fora', de não acompanharem a evolução dos tempos. A questão, mesmo, é perguntarmo-nos se se trata realmente de evolução. É evolução terem os nossos jovens substituído o cérebro por uma calculadora? Um livro por um 'magalhães'?
Eu .. só sei que nada sei e, à boa maneira do filósofo, gosto muito de 'dúvidas metódicas'. Ainda assim (ou talvez por essa necessidade, esse - acho eu - indispensável, exercício de questionar-me e às coisas) diria que ao ministério da educação (e a quem nele decide!!)  falta muita, muitíssima reflexão, muito conhecimento de causa, muito estar por dentro das realidades: as da escola e as dos nossos alunos. É que não é toda deles, nem dos seus professores, a culpa dos insucessos nacionais.
Por uma vez que seja, questione-se também o intocável, inacessível círculo de 'bem-mal-pensantes' - os que ditam as regras, os que os aconselham (APP, por ex) e os que são principescamente pagos para elaborarem as provas de exame, as de Português e as outras - e que podem estar muito, mas mesmo muito mal feitas!
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grupo II
1.4. Na expressão " na minha vida", "minha" é um
(A) determinante que funciona como deíctico temporal
(B) pronome que funciona como como deíctico pessoal
(C) determinante que funciona como deíctico pessoal
(D) pronome que funciona como como deíctico temporal

- got it?
Eu sei .. o exercício até se fazia sem saber o significado da dita palavra (resposta c.. ).. mas ... para quê estas .. modernices? - e não, não me acho 'bota-de-elástico'! O que é que se pretende com isto, afinal?? Testar se o aluno decorou (provavelmente sem a perceber) uma palavra difícil? Mostrar que o pessoal ligado ao ME está muito actualizado (?!), p'ra 'frentex'?
determinante possessivo - não estava bem? que defeito lhe encontraram os 'doutores do templo"? - um pouco assim como a gestão democrática das escolas, entendem? - até hoje não conheço justificação para nem benefícios resultantes de - a terem substituído.
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