31 julho 2011

O ensino do Português e da literatura no EBS e o resultado dos exames

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in Público, 31/7/11
Há que deixar de manipular os resultados e os factos
Por Helena Carvalhão Buescu

Debate: O ensino do Português e da literatura no ensino básino e secundário e o resultado dos exames

Chega Julho de cada ano e, com ele, as análises sobre os resultados dos diferentes exames nacionais. Este ano não foi excepção. Pelo contrário, e porque os resultados foram, sobretudo em Matemática e ainda mais em Português, calamitosos, com uma maioria clara abaixo da classificação positiva, multiplicaram-se análises e comentários.

Venho dar o meu contributo a essa análise, como pessoa com experiência no sistema de ensino universitário há já bastantes anos e colaboradora regular com diversas escolas secundárias no país.

Um dos primeiros comentários foi o que a presidente da Associação de Professores de Português entendeu fazer, salvo erro no dia seguinte a serem conhecidos os resultados. Comentário a todos os títulos lamentável, porque uma classe (a de professores de Português - a nossa língua!) não pode rever-se nas observações quase indigentes que foram feitas sobre o facto de os professores continuarem a "perder" muito tempo a dar textos literários (que, subentende-se, não serviriam para nada - quando servem para aprender a pensar, senhora presidente da associação, e aprender a sentir, e a saber o que tem sido e é a cultura portuguesa!) como, entre outros, O Auto da Alma, de Gil Vicente, ou Padre António Vieira.

Ora, a realidade é esta: desde 2002 que (como demonstrou Maria do Carmo Vieira) o ensino do Português tem vindo consistentemente a diminuir e até excluir a dimensão literária, para acentuar textos informativos e sobretudo técnicos, como abundantemente se sabe (e os pais, em particular, deviam saber). E, em vez de privilegiar o uso da língua, tem vindo a ganhar espaço uma estratégia que passa pelo incremento da metalinguagem, de forma absolutamente desproporcionada e sobretudo desadequada aos vários níveis de aprendizagem. A malfadada TLEBS (uma terminologia linguística feita ad hoc para o ensino básico e secundário) foi um bom exemplo disso: ou seja, um mau exemplo disso. Confunde-se o que os alunos devem saber com o que os professores podem saber. Confunde-se o ensino da língua com a investigação sobre a língua. Já Mário Dionísio, o grande escritor e professor, detectara este imenso equívoco, no final dos anos 1980.

Os resultados estão à vista de todos. A diminuição do ensino da literatura (e o correspondente facilitismo) tem trazido melhores resultados aos nossos alunos, senhora presidente da Associação de Professores de Português? Todos vêem que não. Há, pois, que deixar de manipular os resultados e os factos, há, pois, que ter a coragem de dizer que os últimos dez anos têm produzido piores alunos, com maiores deficiências ao nível da compreensão e da escrita e, por isso, com maiores dificuldades de pensamento. Isto significa em Português - o que, em Portugal, significa também em todas as outras disciplinas. E em todas as vertentes da vida como lugar de cidadania, de cultura e de arte.

Num momento em que Camilo Castelo Branco (entre tantos outros) se desvaneceu dos programas; num momento em que, numa das escolas de referência da capital deste país, a disciplina de Clássicos da Literatura, por ser optativa, não pode ser aberta, porque há apenas quatro (!) interessados, e os alunos são "obrigados" a escolher, pela enésima vez, Inglês; num momento em que as notas da disciplina de Português descem de forma assustadora, perguntemo-nos simplesmente: é possível continuar a assacar culpas à literatura, como se a sua abolição resolvesse todos os problemas das gerações futuras?

Perguntei uma vez, torno a perguntar agora: que perfil queremos para os nossos filhos? Queremos apenas que saibam elaborar actas? Ou queremos que, ao serem confrontados com as alegrias e as dificuldades do saber pensar, possam estar à altura do futuro que para eles preparamos?

Não é dever do ensino básico e secundário preparar o difícil, para que cada um, em seu momento, possa "passar ainda além da Taprobana"? Ah, pois é, Camões falou também para nós...

* Professora na Faculdade de Letras da UL 

ver também:
"ora então os exames nacionais"
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