28 abril 2011

UM ZERO À ESQUERDA

um artigo imprescindível sobre escola-educação e o tenebroso legado (que só não vê quem não quer!!) do "socialista" José Sócrates e das suas damas ..

por José António Faria Pinto:


UM ZERO À ESQUERDA

O primeiro-ministro Sócrates pode ser um engenheiro muito relativo, mas, em matéria de marketing político, é professor catedrático em qualquer universidade do mundo. Uma das provas dessa sua competência foi a forma como, na passagem do primeiro para o segundo mandato, apagou o incêndio ateado no mundo da educação. 

Completado todo o trabalho sujo para transformar os professores em funcionários para todo o serviço e em pobrezinhos de colarinho branco, recorreu ao velho estratagema de mudar alguma coisa para que tudo continuasse na mesma. Cedendo ao adágio popular segundo o qual não é com vinagre que se apanham moscas e inspirando-se, mais uma vez, no mundo da fantasia, congeminou que a solução mágica para apaziguar os ânimos, sem alterar um milímetro a política educativa, passava por substituir a bruxa má pela branca de neve. Assim pensou e mais depressa o fez.

Desta operação cosmética resultou o aspecto mais positivo da curta passagem de Isabel Alçada pelo Ministério da Educação: foi uma ministra muito mais bonita, simpática, jovial e cordial do que a sua antecessora. Em contrapartida, e na razão proporcionalmente inversa, revelou-se muito mais incompetente, superficial, patética e ridícula, estando para os governos do PS, como Maria do Carmo Seabra esteve para os governos do PSD. A sua famosa comunicação aos alunos, na abertura do ano lectivo, ficará como uma peça incontornável do anedotário nacional e mostra claramente a sua completa falta de perfil para o lugar de ministra. As suas prestações na Assembleia da República e em programas televisivos tornaram evidente a sua total falta de jeito para justificar o injustificável, defeito humanamente louvável, mas politicamente imperdoável, porque era a principal missão que Sócrates lhe tinha atribuído. Estou convencido que nenhum outro ministro sentiu maior alívio pela demissão do governo do que Isabel Alçada, assim como, sobre nenhum outro membro do governo, Sócrates terá o sentimento mais agudo de ter cometido um erro de casting.


Feita esta leitura genérica, simplista, impressionista e trivial, porque baseada nas aparências, sobre o papel de Isabel Alçada no governo que agora felizmente finda, deixemos as questões de estilo e passemos à substância, ou seja, aos resultados concretos da acção política desenvolvida pela última inquilina da 5 de Outubro. Qualquer análise depende sempre de um ponto de vista e um ponto de vista é sempre a vista de um ponto. O meu ponto é: os professores ocupam o lugar central em qualquer sistema de ensino, semelhante ao que os pais ocupam no sistema de educação, e as condições de trabalho oferecidas a essa classe profissional são determinantes para a qualidade da sua composição, mais prosaicamente, para que ela seja constituída pelos melhores ou piores alunos das faculdades; a eficácia de qualquer sistema de educação mede-se pelos resultados na criação de cidadãos capazes de se libertarem dos condicionalismos e servidão do mercado de trabalho, ou seja, a escola só tem justificação para existir se tiver como objectivo o desenvolvimento integral de todas as capacidades necessárias a uma fruição plena da curta vida que a ditadura biológica nos impõe.

Começando pela primeira parte do ponto de vista atrás identificado, o resultado aparentemente mais positivo da actividade ministerial de Isabel Alçada foi o fim da divisão dos professores em duas categorias, criadas por uma criatura que, apesar de ser doutorada em sociologia das profissões, unicamente para impedir que, salarialmente, dois terços dos professores ultrapassassem o meio da carreira, mandou às urtigas os conceitos e metodologias que aprendeu e ensinou no ISCTE, e inventou diferenças numa profissão que tem o mesmo conteúdo profissional desde o primeiro dia de aulas até à idade da reforma, estabelecendo essa distinção através do concurso mais estúpido e atrabiliário que jamais existiu. Mas o fim desta divisão teve tanto de sensato como de falso e inútil, porque, em sua substituição, Isabel prolongou a duração da carreira até à idade da reforma e, como se não bastasse já essa contrapartida, foi conivente com o congelamento das progressões na longa carreira por ela negociada, aceitando, sem pudor e sem se demitir, rasgar o seu polémico acordo com os sindicatos, arrancado a ferros a altas horas da madrugada, vencendo os representantes sindicais pelo cansaço e pelo sono. Esta atitude de tudo fazer para conseguir um acordo e, depois, displicentemente não o cumprir, nega todos os valores que tenta incutir como escritora de literatura juvenil e diz tudo sobre a falta de coerência e a frágil idade do seu carácter.

Exceptuando esta intervenção, sem efeitos práticos, na estrutura da carreira docente, em qualquer outra dimensão importante das condições de trabalho dos professores, Isabel Alçada manteve ou piorou o que tinha sido já montado pela actual Presidente da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento. 
  • Apesar de se ter mostrado condoída com o excessivo número de horas gastas e não contabilizadas na componente não lectiva e prometido corrigir as absurdas regras de elaboração dos horários dos professores, tentou, felizmente sem sucesso, agravar substancialmente essas normas, eliminando a obrigação legal de um número mínimo de horas para o trabalho individual.  
  • Piorou o já horrível sistema de avaliação do desempenho docente, criando uma miríade de avaliadores sem formação e acrescentando-lhe setenta e dois descritores comportamentais, com conteúdos ambíguos, subjectivos e impossíveis de medir, dada a inexistência de qualquer instrumento de medida adequado para esse efeito.  
  • Alinhando pelo argumento só cretino, cego e mistificador da estabilidade do corpo docente das escolas, não respeitou o compromisso de realizar um concurso em 2011, aumentando dessa forma o já elevado número de precários no suprimento de necessidades permanentes do sistema e obrigando muitos professores do quadro ao conforto de permanecerem longe de casa durante, pelo menos, quatro anos.  
  • No que respeita à formação contínua, mesmo relevando como palavras ao vento a sua expressa intenção de melhorar as condições de acesso e participação nessa formação, é impossível deixar de sublinhar que o consulado de Isabel Alçada ficou marcado pela maior penúria de sempre em oferta gratuita de formação e pela proliferação de acções de formação só acessíveis a troco do vil metal. 
Nestes cinco aspectos decisivos para a atractividade da profissão docente (estrutura da carreira, horário de trabalho, avaliação do desempenho, formação e concursos), Isabel Alçada não conseguiu travar a espiral de desmotivação que afecta a generalidade dos professores, nem diminuiu a tradicional tendência de fazer com que esta profissão seja considerada como o último recurso de quem precisa entrar no mercado de trabalho. Se a tudo isto somarmos os cortes salariais e o aumento progressivo da idade da reforma, numa actividade cada vez mais exigente e desgastante, será difícil imaginar um quadro mais negro de insatisfação profissional.


Passemos agora às questões mais gerais relacionadas com a organização e qualidade do sistema educativo. Esta ministra continuou na senda da escola a tempo inteiro e família a tempo parcial, sem dar sinais de qualquer inquietação perante as preocupantes consequências pedagógicas e sociais já anunciadas por vários psicólogos e estudiosos da educação. 
  • Partilhou a mesma obsessão pela intensiva ocupação escolar dos alunos, através de actividades de substituição da treta, que são um castigo para os professores mais assíduos e mais não fazem do que massacrar os alunos e aumentar a sua aversão pela sala de aula. 
  • Engendrou um arremedo de reorganização curricular para poupar 43 milhões de euros, sem tocar em problemas essenciais, tais como, o absurdo número de disciplinas em certos anos de escolaridade, o facto de alguns professores só terem contacto com as suas turmas uma vez por semana, a duração dos tempos lectivos de três ou seis quartos de hora conforme os gostos, ou a anquilosada e desajustada divisão do ensino não superior em quatro ciclos. 
  • Apresentou com toda a pompa e circunstância, como se fosse um instrumento ansiosamente esperado e imprescindível para o trabalho dos professores, umas chamadas metas de aprendizagem, puramente folclóricas e abstractas, sem cuidar de diminuir os programas comprovadamente extensos e inexequíveis de certas disciplinas ou articular os conteúdos programáticos do currículo de cada ano de escolaridade. 
  • Introduziu discretamente uma discussão pública sobre as desvantagens da repetência, só para apalpar o terreno, fugindo rapidamente ao debate, sem explicitar com clareza a sua posição sobre o assunto, numa aparente estratégia para encobrir, justificar, desculpar e, sobretudo, não enfrentar o facilitismo galopante que se instalou nas escolas e perpetuar a indiferença do sistema perante o facto de cada vez mais alunos transitarem de ano, sucessivamente reprovados às mesmas disciplinas. 
  • Sobre o número de alunos por turma e o número de turmas por professor disse nada, como se fossem factores despiciendos no combate ao abandono e insucesso escolares. 
  • Não beliscou o modelo de gestão imposto por Maria de Lurdes para domesticar os professores, mas tornou mais difícil a acção dos directores, diminuindo-lhes o número de adjacências e aumentando o número de escolas de cada unidade de gestão. 
  • Conduziu, com um zelo desmedido e sem perder o sorriso automático de cinco em cinco segundos, o encerramento de centenas de escolas do país profundo, ajudando a dar o golpe de misericórdia em muitas aldeias moribundas.
No momento em que alinhavo estas considerações, Isabel Maria Girão de Melo Veiga Vilar, diminuindo, uma vez mais, o seu nome artístico, ainda estrebucha na televisão, fingindo-se estupefacta com o enterro do regime de avaliação de professores “a meio do ano lectivo”, como se o seu modelo e o anterior tivessem sido implementados no início de qualquer dos períodos a que se aplicavam. Mesmo ao sair de cena, não resistiu à tentação de nos brindar com um exercício de demagogia bacoca, só para mostrar que alguma coisa aprendeu com o chefe do seu governo.
Tendo recebido uma herança pesada e tendo visto o seu ministério ser transformado numa mera repartição do Ministério das Finanças, a margem de manobra de Isabel Alçada era mais do que estreita. Esperava-se, no entanto, muito mais de alguém que foi, salvo erro, uma das primeiras sócias do SPGL e chegou a integrar os seus corpos gerentes. Tal como a sua antecessora, que teve ligações ao movimento anarquista, não se vislumbra na sua passagem pelo poder nenhum dos sonhos do passado. Isabel Alçada ligou o seu nome ao período mais funesto para a dignidade e valorização dos professores. 
Pelas apreciações que faço neste sintético balanço sobre a sua prestação governativa, lamento sinceramente ter que lhe atribuir a única classificação possível para tamanha incoerência e desilusão: um zero à esquerda, ou seja, como ministra da educação, Isabel Alçada conseguiu ser menos que nada.

J A Faria Pinto,
Artigo para a revista Escola-Informação, Abril de 2011.
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