Na qualidade de relatora, nomeada este ano lectivo no quadro do Departamento de Ciências Sociais e Humanas, apresento esta declaração de protesto à minha participação no processo da avaliação do desempenho docente, a qual solicito que seja anexa à acta da presente reunião.
Tendo, ao longo dos últimos dois anos, manifestado publicamente a minha discordância relativamente ao modelo de ADD, e pese embora algumas alterações nele realizadas, não posso, em consciência e por coerência, abster-me de reiterar os fundamentos da minha oposição à filosofia que subjaz a este modelo e aos processos que o enformam, embora, sem prejuízo do acatamento e cumprimento dos meus deveres profissionais.
Não posso deixar de assumir, agora, novamente, os valores e ideais em que acredito, nem posso deixar de, em cumprimento do meu dever profissional, exercer um papel activo neste processo. Tal pode parecer que estou a exercer um papel legitimador daquilo que contesto. Não é o caso, pois não me faz sentido não cumprir a lei, mas faz-me sentido discordar dela com frontalidade, que é o que estou a fazer.
Assim, e em consonância com os meus princípios:
- considero que a avaliação do desempenho de professores não pode ser compatível, nem com escolhas arbitrárias em que os avaliadores/relatores não estão legitimados, pese o questionável critério da senioridade, imposto por lei, nem com a abordagem amadorística de quem, como eu, não possui a formação, as competências específicas e o treino requeridos a uma avaliação séria, porque, do ponto de vista dos saberes e das competências, uma coisa é avaliar alunos e outra, bem distinta, é avaliar professores;
- considero que os relatores não tiveram formação que lhes permita qualificar e homogeneizar processos avaliativos, bem como definir padrões ou modelos de docência eficazes, correndo-se o sério risco de cada um impor aos seus avaliados, de forma amadorística, as suas concepções e práticas privadas;
- não acredito na adequação, na transparência e nas implicações positivas para a valorização do trabalho e da profissão docente que sejam decorrentes de uma avaliação de desempenho feita por pares, sem garantia de distanciamento, autoridade e legitimidade reconhecidas, ainda por cima quando a mesma se sustenta, quer na observação de duas ou três aulas pré-combinadas e especificamente preparadas, quer numa parafernália de itens e descritores, muitos dos quais irrelevantes e alguns apenas susceptíveis de avaliação aleatória e infundada;
- a avaliação do desempenho levada a cabo entre colegas que se relacionam há vários anos onde há, portanto, amizades e conflitos relacionais, decorrentes de anos de serviço, de experiências e de disputas de interesses, é sempre geradora de suspeições e desconfianças, anulando a objectividade que deveria ser a marca indelével de um processo avaliativo, que vem a ser negativamente adensado pela circunstância das classificações atribuídas não serem objecto de conhecimento e escrutínio públicos;
- a circunstância de os coordenadores poderem assistir a aulas dos relatores e o Director a aulas dos coordenadores, não avaliando a qualidade científica do trabalho e separando-a da dimensão pedagógica, para além do absurdo que isso revela do ponto de vista do processo de ensino-aprendizagem, coloca inultrapassáveis problemas de desigualdade na avaliação e de supressão da dimensão fundamental da docência;
- a avaliação do desempenho empreendida entre colegas tende a desencadear potenciais conflitos de interesses e perdas de isenção entre aqueles que possam concorrer pelas mesmas vagas, arruinando ou deteriorando assim o desejável trabalho de cooperação entre os docentes, dimensão que considero fundamental na comunidade/prática educativa;
- coloco uma questão meramente retórica: sendo as quotas (% de Muito Bom e Excelente) atribuídas por escola, como se resolve o conflito de interesses existente quando elementos da Comissão de Avaliação e relatores concorrem à mesma quota dos professores a quem atribuem Excelente ou Muito Bom?
- a inexistência de quotas por grupos de docentes faz com que a ADD assente num princípio em que o relator, sendo parte interessada na proposta de classificação final, possa discriminar o grupo dos avaliados não relatores. Avaliadores e avaliados são concorrentes na mesma carreira profissional, o que fere inequivocamente as garantias de imparcialidade. As perspectivas de progressão na carreira de cada professor dependem, não apenas da sua própria classificação, como também da que os outros professores da mesma escola/agrupamento tiverem. Ora, avaliados e avaliadores pertencem à mesma escola/agrupamento e são muitas vezes concorrentes aos mesmos escalões da carreira, o que (por si só) constitui um forte motivo de impedimento. E, mesmo quando pertencem a escalões diferentes, é óbvio que o avaliador tem interesse directo nas classificações atribuídas ao seu avaliado: se estiver posicionado em escalão superior, só terá a perder com a subida de escalão daquele, pois tornar-se-á concorrente directo numa futura transição de carreira, aumentando ainda as hipóteses de o poder vir a substituir como avaliador; se, o que a lei permite em determinados casos, o avaliador pertencer a um escalão de carreira inferior ao do seu avaliado, é-lhe oferecida a possibilidade de, através da classificação que atribuir, o fazer marcar passo na carreira e poder alcançá-lo, conferindo assim solidez ao seu recém-adquirido estatuto de avaliador.
- este modelo parece-me perverso porque legitima o inadmissível: substitui a cooperação pela disputa e reduz o mérito à quota. A inspiração maquiavélica deste modelo dá azo a que cada escola venha a revelar-se uma pequena selva em que vários condicionalismos convergem de modo a propiciar e estimular o que de menos humano, mais básico, existe em cada homem, daí que não possa, a não ser sob protesto, participar nele.
Pelo que ficou dito, considero que o actual modelo de avaliação não o é de fato. Ao invés de "contribuir para melhorar a prática pedagógica, valorizar o trabalho e a profissão, promover o trabalho de colaboração", acaba por fomentar conflitualidades/perturbações escusadas, nomeadamente no plano das relações interpessoais, e, em virtude da sua muito questionável exequibilidade, tem implicações negativas na prática pedagógica e numa real redução do tempo indispensável para o trabalho dedicado aos alunos.
Esta declaração tem, pois, como objectivo assinalar que a minha nomeação como relatora, sendo um ato obrigatório previsto na lei, não colhe, de modo algum, a minha concordância
Permito-me, portanto, em nome da coerência, em consonância com os meus princípios, legitimar, perante a minha consciência e perante a comunidade, futuras tomadas de posição de acordo com o que aqui fica dito.
Reguengos de Monsaraz, 26 de Janeiro de 2011
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