28 outubro 2010

Demagogia de borla

retirado daqui  ,
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Demagogia de borla
por Daniel Oliveira (www.expresso.pt)
8:00 Quarta feira, 27 de Outubro de 2010 

Cavaco Silva não resistiu ao seu pequeno truque de demagogia: não terá praticamente propaganda. Não precisa. Tem Belém para a fazer. Há cinco anos é que era de homem.

No seu discurso de ontem, Cavaco Silva quis convencer o País que fez ou poderia ter feito alguma diferença na resolução dos problemas que enfrentamos. A diferença que podia ter feito foi há muitos anos, quando nos governou. Agora, como se vê no impasse da negociação do Orçamento, é carta que não conta.

Na sua intervenção, saltou à vista um pequeno truque. Daqueles que mostram que a demagogia nem sempre se serve aos gritos. E Cavaco Silva é mestre em usá-la em sussurro. Anunciou que terá uma campanha barata. Até aí, tudo certo. Deviam ser todas. Mas acrescentou que não colocará cartazes. Porque os tempos não estão para isso. Cavaco Silva sabe que as pessoas olham para as campanhas eleitorais como um desperdício e explora a coisa.

A decisão não espanta. Se olharmos bem para agenda do Presidente da República, Cavaco Silva está em campanha há mais de um mês. Multiplica-se em visitas e declarações. Não o faz como candidato, mas o resultado é exactamente o mesmo: aparece diariamente na televisão. Ninguém o pode condenar por isso. Mas a verdade é que a sua campanha é paga pelo Estado e não entra na contas da campanha. Cavaco Silva dispensa os cartazes porque aparece no mais importante de todos: os televisores dos portugueses. Não precisa de se dar a conhecer porque é o Presidente em exercício. Não precisa de se bater pela visibilidade pública porque é Chefe de Estado. Ao lançar esta cartada, quase como um desafio (não se limitou a decidir gastar pouco, anunciou-o e deu-lhe destaque), pede aos outros que, acompanhando-o, fiquem numa posição de inferioridade nas eleições.

É que se fosse uma questão de princípio, Cavaco Silva teria feito isto quando não tinha a vantagem de ser Presidente. Não foi o caso. Ele e Mário Soares gastaram em 2006 mais de três milhões de euros cada um. O triplo do que gastou Manuel Alegre; quatro vezes mais do que Jerónimo de Sousa; sete vezes mais do que Francisco Louçã; e quase 150 vezes mais do que Garcia Pereira. Aí sim, o desafio seria interessante. Agora, é apenas propaganda. E de borla. 

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e daqui, excertos de:

O candidato das paredes vazias
por Miguel Gaspar
in Público,  26.10.2010

(...) ficámos pelo menos a saber que vamos ter um candidato que não encherá as paredes de Portugal com cartazes e outdoors. Cavaco Silva, o homem que disse candidatar-se em nome de um partido chamado Portugal, vai ser o candidato das paredes vazias.

Com esta frase, Cavaco quis dizer que não precisa de fazer campanha para ser reeleito. Até dá uma bola de avanço à concorrência. E, na verdade, a campanha eleitoral de Cavaco Silva acabou ontem após quase dez meses de intensa actividade. Como ele lembrou, foram muitos os alertas que foi deixando sobre a crise económica.

Hoje, era preciso saber que pistas ele nos queria dar sobre o futuro. Deixou uma: a ideia de que pretende seguir uma “magistratura activa”. Como sugeriu que o país estaria muito pior se não tivessem sido o seu desempenho. E que o país devia ter aproveitado melhor esses esforços.

Em bom rigor, o discurso de Cavaco foi igual a uma parede vazia. Sem outdoors e sem janelas para entrar. Falou muito em crise e em desemprego, mas na verdade falou pouco do país. Fez um discurso redondo, cheio de generalidades, pouco empolgante para a plateia que respeitosamente ouvia o Presidente. Sem uma ideia, porque é no vazio que está o segredo para chegar a todos os eleitores, de esquerda ou de direita.
(...)

Cavaco Silva representa sempre, com facilidade, o mesmo personagem. O político aparentemente apolítico, o homem “de trabalho”, que está acima das frivolidades da classe política. Mas que, apesar de um permanentemente exercício de modéstia, não deixa de fazer o elogio público das suas próprias qualidades.

Pouco separa este discurso do que fez quando se candidatou pela primeira vez a Belém. As palavras-chave – a crise, as dificuldades, o desemprego, a capacidade de Portugal em vencer – são as mesmas. Só mudou a circunstância. Já não é o político que saía de uma travessia do deserto, mas o Presidente que mais dificuldades enfrentou para encontrar o caminho que conduz à reeleição.

Ao fim de dez meses de campanha, esse caminho parece estar finalmente desimpedido.

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