31 maio 2010

Vampiros assalariados

esta a notícia, no Público de hoje: Inquérito a Escola de Fitares conclui que "não há factos que justifiquem procedimentos disciplinares" mas faz recomendações.

A 9 de Fevereiro deste ano, um professor (Luís do Carmo) da Escola Básica de Fitares  suicidou-se, tendo deixado no seu computador pessoal um texto onde afirmava: "Se o meu destino é sofrer, dando aulas a alunos que não me respeitam e me põem fora de mim, não tendo outras fontes de rendimento, a única solução apaziguadora será o suicídio". (ler mais)

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Vampiros assalariados é o título de um dos 20 comentários que, até agora, acompanham a notícia. Vem assinado por um tal Joaquim O:

«Um pobre assalariado do ensino suicida-se. Na sua espiral auto-destrutiva, lamentavelmente arrasta crianças (que o são, até ao 12º, quer os fenprofs queiram quer não). Outros irresponsáveis assalariados do ensino, rapidamente se apressam a irresponsavelmente cavalgar esta tragédia. As crianças que vivam com o estigma, tanto faz desde que lhes aprouve. Um suicido, quando não patológico é um acto triste e egoísta. Urgem Professores que expliquem estas verdades tão simples aos Srs assalariados do ensino que pululam nestes comentários. Quais mariposas de magnólia em magnólia.»
Joaquim O. , Porto. 31.05.2010 22:20
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O comentário do senhor Joaquim é de uma tal baixeza, que não mereceria o esforço de uma resposta, antes uma denúncia e a interposição de um processo-crime por injúrias e difamação! E acreditem, estou muito, muito farta deste tipo de linguajar, mais ainda desta classe de gente, mas não posso (não devo) deixar isto irrespondido.  
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Acontece que o senhor Joaquim é um paradigma de tantos outros comentadores que, sempre a propósito de notícias sobre educação,  vêm, pesados de adrenalina e inflamados por ímpetos guerreiros, reclamar a cabeça dos professores. 
No espaço público que lhes é facultado despejam umas quantas baboseiras para gáudio próprio e dos da sua 'tribo' , aproveitam para enfim, destilarem todo o veneno que os entope. Usam a net qual divã de psiquiatra,  gratuitamente extravasam o despeito que os corrói, mais as suas mal-geridas frustrações. Estou em crer que o seu frenesim visa, acima de tudo, expurgar uma culpa que lhes adivinho insuportável. A culpa, precisamente, de saberem que dão aos  próprios filhos muito pouco - ou nenhum - do acompanhamento e da educação de que eles, crianças ou jovens, tanto precisam 
Curioso, repararam, como este senhor alia a qualidade do ser criança a um grau de ensino, em vez de uma faixa etária: o 'eu-criança' habitando o espaço escola, que não o espaço casa/família .. 
Interessante, também, seria vê-lo a si, sr. Joaquim, a ser alvo da maior chacota por parte de adolescentes de 13, 14, 17 anos a quem chamasse 'crianças'.. experimente!
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E este é apenas um dos seus julgamentos aberrantes. Achar que crianças  (no sentido da sua presumível bondade e inocência)  o são até ao 12.º ano é, se não hipócrita, pelo menos de uma ingenuidade confrangedora. O senhor com certeza que sabe (basta estar atento às notícias) que há crianças que matam outras crianças. Ou que as levam a atitudes desesperadas, tão auto-destrutivas como a do 'pobre assalariado do ensino' que o sr. tanto despreza. Ou será que o sr. Joaquim não teve conhecimento do suicídio da criança Leandro, ocorrido pouco depois do do professor Luís? E pelas mesmas razões, se está lembrado.
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Passemos a outra das alarvidades do seu edificante comentário: afirmar que o professor Luís "lamentavelmente arrastou crianças na sua espiral auto-destrutiva" é, pura e simplesmente, não saber do que está a falar. Ou então, uma falácia muito maldosa. Por acaso algum dos alunos que alegadamente terá feito a vida negra a este professor veio a suicidar-se também, carregado de culpa? Ou o senhor acha destrutivo ou condenável que se sintam remorsos pela maldade exercida sobre outrem, pelas consequências dramáticas que dela advieram? 
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E quem são os 'vampiros assalariados' do título que escolheu dar ao seu comentário? Vampiros, senhor Joaquim? Experimente entrar numa qualquer escola do país, de preferência uma dessas onde há crianças do 5.º ao 9.º, como a de Fitares .. e olhe bem à sua volta. Não precisa nem de ir a uma sala, fique-se pelo recreio , à hora da entrada nas aulas, e observe. Depois me dirá quem tem o ar mais exangue, mais olheirento; quem lhe parece extenuado, desanimado, a vida a fugir-lhe, triste.. 
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Agora,  a pérola do seu texto, o exemplo mais cabal da sua ignorância e da sua má-fé, é dividir os professores em duas categorias:  os 'assalariados do ensino' (na sua óptica, todos ou 'pobres' ou 'irresponsáveis') e os Professores (com maiúscula) , ou seja, os que, para serem dignos dessa sua deferência, têm obrigatoriamente de concordar com a sua douta opinião.  
Pois é, sr. Joaquim, perdeu uma boa oportunidade de estar calado. É que, pese embora a conotação pejorativa que o sr. dá à palavra, assalariados, na medida em que recebemos um salário, somos todos - do ensino ou de qualquer outra profissão não liberal.  Já os seus caros Professores, fique o senhor sabendo, são a nódoa que sempre mancha qualquer classe profissional. São aqueles que, entre os seus pares (fenprofs, sr. Joaquim? Tenha mas é juízo!!), foram, pela sua falta de verticalidade, ganhando o desprestigiante nome de 'adesivos' ou de 'nêsperas' (e se precisar de explicações, é só procurar aí pelo blogue!). 
São esses seus Professores, precisamente, os legítimos representantes do malfadado eduquês que está a dar cabo do futuro das 'suas' inocentes crianças-até-ao-12º-ano! São esses os apóstolos da política da avestruz, da desresponsabilização, do facilitismo, do deixa andar, do mais vale parecer do que ser. São, em última análise, aqueles que têm tanta falta de carácter como o senhor. 
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E finalizo: 
  • Chamar 'pobre assalariado do ensino' a um professor que se suicidou é de uma insensibilidade tal, que o torna, a si, o mais pobre de entre os pobres, despojado até ao limite da decência dos mais básicos valores humanitários. 
  • Querer que colegas da vítima (e é isso que o professor Luís foi, não duvide!!) o secundem a si na inimputabilidade dos agressores, nessa sua condição de Pilatos laxista, é baixo, é porco, e é de uma vileza sem nome. A mim, dá-me vómitos.
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foto de Helena Almeida

7 comentários:

Em@ disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Em@ disse...

eliminei o outro porque estava cheio de gralhas!

AL:
Para além de subscrever tudinho o que escreveste e sublinhaste, vou rematar com a coruptela de uma palavra muito usada por outra colega nossa:
Que noNjo!
...
e mais logo volto aqui.
beijo para ti!

teresa disse...

ANA, MANDA O jAQUIM À MERDA! Desgastas-te com gente que não merece.
beijos
Teresa

Margarida Alegria disse...

A resposta a esse Jaquim das nêsperas está esmerada e diz tudo!
Mas concordo com a Teresa que te desgastaste e irritaste com quem não merece...nem o caroço da nêspera no cocuruto da careca! ;-)
Beijinho, lutadora!

Carlos Milho disse...

Gostei, miúda! :)

Cá ઇ‍ઉ disse...

Desde que me lembro da pergunta "o que queres ser quando fores grande?" a minha resposta era sempre a mesma: professora!
Hoje, aluna do 12ºano, será a ultima profissão que irei ponderar para o meu futuro.
Os alunos respeitam cada vez menos os professores, quando respeitam, e ignoram totalmente qualquer autoridade.
Quando olho para os meus mais novos colegas pergunto-me o que será do futuro deste país se não forem mudadas mentalidades, se os "meninos" não deixarem de ser vistos como crianças mesmo quando já têm 15 e 16 anos.
Ainda assim existem pessoas que falam quando não sabem o que realmente se passa nas escolas e se alguém lhes contar dirão que é todo um grande exagero... ainda são capazes de dizer que algum dos meus pais é professor ou assim...

AL disse...

como é que se chama aquele função da linguagem que usa a parte pelo todo?
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- pois é exactamente isso que este joaquim é: um legítimo representante da chamada 'opinião pública', e foi por isso q me senti no dever de comentar

bjs