12 maio 2010

de como eu cada vez gosto mais deste homem..

.. e de como o admiro, pela inteligência e a lucidez tanta, a palavra certeira, a frontalidade, a  fina mordacidade desse seu humor ..

Resposta a Mário Nogueira (ver artigo ao fundo)
por Santana Castilho
in Público de 12 de Maio de 2010

Mário Nogueira assinou um artigo no “Público”, a que deu o título “Esta Fenprof incomoda que se farta!” Dir-se-ia refém de uma qualquer peça de Ionesco, tantos são os absurdos em que se enleia, ou convertido à Patafísica, “ciência” de soluções imaginárias. Mário Nogueira espadeira contra indeterminados, que não tem coragem de citar. Aderente ao axioma “quem não está connosco está contra nós”, Mário Nogueira convive mal com esse espaço de liberdade que designa por “blogues da especialidade”. Mas destaca-me do naipe, que apoda de adversários da Fenprof e arautos de falsidades. A deferência merece resposta:

1. O meu último artigo, que Mário Nogueira refere como exemplo dos ataques à Fenprof e paradigma de falsidades, tem três vertentes claras para quem não seja analfabeto funcional: resenha diacrónica de escritos meus, cuja substância foi confirmada por desenvolvimentos posteriores; opinião, em que sou acompanhado por milhares de professores, divergente da linha oficial da Fenprof, mas que só a escola burlesca de Tarik Aziz poderia ignorar; e perguntas. Perguntas difíceis de tragar por goelas apenas oleadas para dar passagem a elefantes e sapos vermelhos, partidariamente cozinhados.

2. Lê-se no meu artigo: “Conhecemos o texto do acordo. Mas não conhecemos as actas, que se presumem feitas, das discussões havidas na maratona de 14 horas de negociações que o antecederam. A consideração da classificação do desempenho para efeitos de graduação dos professores foi ou não objecto dessa discussão? Se foi, em que termos? Se não foi, por que não foi? Se não foi, que atenção mereceu nos 3 meses seguintes de reuniões sem fim?”

Isto não são falsidades. São perguntas legítimas a que Mário Nogueira não respondeu. E foi mais longe. Disse, com a naturalidade de um amador incompetente, que aguarda, 4 meses volvidos, que lhe enviem a acta de uma reunião de 14 horas, onde se tomaram deliberações graves sobre a vida de todos os professores. Esquecendo, para cúmulo, que a Fenprof divulgou, sob a epígrafe “Acordo de Princípios Sobre Aspectos do ECD”, logo em Janeiro de 2010, uma informação aos professores onde invoca o “compromisso assumido pelo M.E. em acta negocial” (sic., sublinhado meu, retirado de documento que detenho e poderei fornecer a quem o não conheça). 

3. Mário Nogueira chama-me implicitamente desonesto porque afirmei no meu artigo que a Fenprof não se deu conta, inicialmente, que a classificação do desempenho contava para a graduação profissional, em sede de concurso. Não lhe admito a baixeza. 

No dia 12 de Abril, no site da Fenprof, estava escrito: “Para o concurso que hoje se inicia, é de salientar o facto de, no respectivo Aviso de Abertura, já não constar qualquer referência à consideração da avaliação para efeitos de graduação profissional, factor que, como a Fenprof tem vindo a exigir e a esmagadora maioria dos professores a defender, não deverá ser considerado já neste concurso.”

Não é claro? É preciso fazer desenhos? Não aderi à moda da “acção directa” e por isso não meterei ao bolso o bigode do Mário Nogueira, quando o voltar a encontrar. Mas espero que ele tenha a hombridade de me telefonar a pedir desculpa. 

4. Mário Nogueira, numa construção frásica sem coerência, compara a solução (acordo) a que chegou com Sócrates com a admitida pelo PSD. E num jeitinho conveniente, que conheço, atira lá para o meio o meu nome. Entendamo-nos uma vez mais: numa conferência que proferi na Assembleia da República, a convite do PSD, a abrir um debate público em que Mário Nogueira também participou, sintetizei bem o que pensava sobre o destino a dar à avaliação do desempenho em análise: suspensão e lixo. E Mário Nogueira ouviu-me dizer, cara a cara e nessa sessão, a Aguiar Branco e ao PSD, aquilo que ele não pode dizer a Jerónimo de Sousa ou ao PC. É a vantagem de se ser partidariamente independente. O PSD e Aguiar Branco, particularmente, ouviram-me repetidas vezes. Mas não seguiram um só dos meus conselhos e deram o dito por não dito, como o Mário Nogueira. 

5. Mário Nogueira desenterrou o “memorando” de má memória, com que salvou Lurdes Rodrigues. Poderia contar a verdadeira história desse episódio, que ele sabe que eu conheço. Preferiu continuar a enganar todas as pessoas todas as vezes, o que é manifestamente impossível, como recordou Lincoln. Devo refrescar-lhe a memória que rejeita. Se numa escola com 100 professores 10 foram à reunião de consulta e 9 aprovaram o memorando, isso permitiu-lhe dizer que obteve 90 por cento de aprovações. Os bonzos da estatística do Ministério da Educação há 5 anos que usam os mesmos métodos. A escola é a mesma. Mas não é a minha.

6. A polémica, aqui, acaba agora. Diga Mário Nogueira o que disser. A minha luta não é contra os sindicatos, muito menos contra a Fenprof. Não alimentarei o gáudio dos detractores dos professores, nem malbaratarei a generosidade do “Público”, sacrificando o espaço onde há anos defendo a escola pública. Se Mário Nogueira quiser continuar, conte comigo. Desde que os espectadores sejam só professores. Diga o sítio e faça os convites. Lá estarei para, cara a cara, lhe dizer o que precisa de ouvir. Entre professores e a bem dos professores e dos seus sindicatos. Sem conclusões previamente redigidas. Com acta feita na hora.

Santana Castilho, Professor do ensino superior
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Quando li eu o artigo do Secretário-geral da Fenprof,  disse cá para mim, gaba-te, cesto!, e pensei, mau sinal quando temos de ser nós a alardear as próprias virtudes .. sintoma de que mais ninguém as reconhece como tal.
Agora, o que me caiu mesmo muito, muito mal, no artigo de Mário Nogueira, foi aquele 'perfilhar' da máxima da 'popota' repescada como descoberta exemplar. Senti-me ofendida, e muito tentada  (mais uma vez ) a dessindicalizar-me. Coisa que, diga-se de passagem, só por inércia não fiz ainda ..

Segundo  MN, « (...) tem sido a acção sindical, e não a verborreia de alguns, que, em tempos tão difíceis como os que atravessamos, tem conseguido construir focos de resistência e obter ganhos positivos para os professores e educadores. (...) »
- Pois olhe que não, Mário Nogueira, olhe que não!! Os 'focos de resistência' nascem e crescem independentemente da 'acção sindical'! 
  • Os focos de resistência, muitas vezes os tais professores isolados, resistem ainda, mesmo depois de a Fenprof e o seu Secretário-geral se darem por muito satisfeitos com as estrondosas vitórias conseguidas nas negociações (às vezes mais me parecem negociatas..) com o ME. 
  • Os focos de resistência, não fosse o vosso desmobilizador travão de dúbios acordos, pífios cordões humanos e greves de 2 tempos, teriam 'entrado a matar' depois da marcha dos 120 mil!- assim tivessem podido contar com o apoio e a liderança dos seus sindicatos!. 
  • Teriam, precisamente porque são 'focos de resistência', paralisado as escolas, feito o que fosse preciso para resolver, na altura, o caos instalado. Talvez os ganhos tivessem sido mais positivos - sobretudo mais visíveis .. -  se a Fenprof  tivesses apoiado a resistência firme de uns quantos em vez de secundar a indefinição oportunista de muitos. [e a propósito .. razão tinha Errico Malatesta quando dizia não serem os sindicatos "locais propícios para a prática revolucionária"..]
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É que não basta (como se viu) arrebanhar multidões - e isso sim, vocês conseguem melhor que ninguém.. As guerras ganham-se com vontade indómita e uma direcção sindical que não defraude as legítimas aspirações dos 'focos de resistência' que é suposto liderar.

e cito ainda Noam Chomsky: «As coisas acontecem no mundo devido aos esforços de pessoas dedicadas e corajosas, de cujo nome ninguém ouviu falar, e que não passam para a História.»
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então agora,
o referido artigo:

Esta Fenprof incomoda que se farta!
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por Mário Nogueira (*)

Tem sido a Fenprof que, no Parlamento, na Provedoria, nos tribunais, na rua, tem exigido e lutado uma solução. A Fenprof saiu, há dias, do seu décimo congresso. E saiu mais forte, para tristeza de quem gostaria que tivesse perdido dez mil associados, em vez de reforçar a sua representatividade. Não surpreende que, face a esta força, à unidade demonstrada e ao consenso gerado, haja quem se incomode e não o consiga disfarçar...

O congresso avaliou positivamente três anos de propostas, acção e luta. Momentos como o do memorando de entendimento que, na sequência de um inequívoco pronunciamento da classe, foi assinado, foram considerados essenciais no combate ao regime de avaliação, não só por ter dispensado mais de 90% dos docentes e aplicado, aos restantes, uma réplica menor, mas por permitir que a luta não se esboroasse e, oito meses depois de 8 de Março, tivesse despontado ainda mais forte. Surgiram então os primeiros ataques violentos aos sindicalistas, acusados, por alguma gente, de imorais contrapartidas quando, afinal, o ME, revanchista, lhes impôs fortes penalizações de índole profissional.

Em 8 de Janeiro, p. p., a luta dos professores resultou num acordo que acabou com a ignóbil divisão da carreira. Isto num momento em que se destroem carreiras, congelam salários, reduzem direitos... Não sei se a solução foi melhor ou pior do que a admitida pelo PSD e para a qual Santana Castilho tentou ajudar Aguiar-Branco a fazer contas, mas percebi que as preocupações orçamentais estavam muito presentes, o que, vindo de sectores políticos à direita, me preocupou muito.

As apreciações que cada um faz do memorando ou do acordo são legítimas... como legítima é a apreciação da Fenprof tendo por referência os associados, as direcções sindicais, o congresso... Ilegítimo seria a Fenprof ignorar quem representa para satisfazer interesses umbilicais.

Ilegítimo, também, é haver quem, para atacar a Fenprof, recorra a falsidades, como tem acontecido. Como exemplos, leiam-se artigo recente do ex-subsecretário de Estado de Balsemão e alguns posts em blogues da especialidade. A esse propósito, esclareça-se:

- As actas negociais são feitas por juristas e assinadas após correcção. São públicas. Qualquer sindicalizado as pode consultar no seu sindicato. Quanto à acta de 7 de Janeiro (do acordo), ainda não se conhece, porque não foi enviado à Fenprof o projecto para correcção. Portanto, a teoria da conspiração que fala em secretismo é, simplesmente, idiota...

- A ideia de que os juristas da Fenprof não repararam que a avaliação contava para os concursos é outro absurdo. Obrigaria a honestidade que, antes da acusação, fossem lidos os pareceres da Fenprof, os cartazes, os comunicados, as revistas e os objectivos das lutas (não só de agora, mas de quando o ME impôs a avaliação nos concursos como retaliação por não ter sido levantada a greve de 19 de Janeiro de 2009).

- A acusação de que a Fenprof nunca colocou esta questão à actual equipa ministerial é outra mentira. Colocou e logo na primeira reunião com a ministra, em 10 de Novembro. O dossier então entregue à ministra coloca o problema cuja origem foi explicada. Posteriormente, a questão foi abordada diversas vezes e a Fenprof, em 20 de Janeiro, apresentou uma proposta concreta: prorrogar, por um ano, o artigo 6.º das disposições transitórias do DL 51/2009.

Esta exigência integrou a Carta Reivindicativa e foi entregue a todos os partidos políticos e ao Ministério da Educação e foi ainda tema da Conferência de Imprensa de 27 de Outubro de 2009.

Tem sido a Fenprof que, no Parlamento, na Provedoria, nos tribunais, na rua, na comunicação social tem exigido e lutado uma solução.

Tudo isto é claro para quem quer ser esclarecido, o que não acontece com quem prefere manter os equívocos e a mentira; com quem se serve dos argumentos da Fenprof acusando-a de não ter tais argumentos; com quem não perde uma oportunidade de, quando a unidade mais se exige, a tentar quebrar, atacando quem tem melhores condições para a promover... e fica (quase) tudo dito.

A Fenprof e os seus dirigentes têm mantido uma atitude discreta, apesar dos ataques continuados. E fazem-no porque representam, não a si mesmos, mas muitos milhares de docentes que em si confiam e de si esperam um forte contributo para a resolução dos problemas. E tem sido a acção sindical, e não a verborreia de alguns, que, em tempos tão difíceis como os que atravessamos, tem conseguido construir focos de resistência e obter ganhos positivos para os professores e educadores. A Fenprof não confunde a acção sindical com "guerras" pessoais e adopta a postura política e institucional que dela esperam os docentes.

Outra é a postura de quem apenas se representa a si mesmo. Esses podem convocar manifestações e não comparecer; podem dizer as maiores asneiras sem se preocuparem; podem insultar e mentir sem temer consequências...

É essa a diferença entre a vida associativa e a de quem age por si mesmo. Percebeu isso a anterior directora regional do Norte quando comparou os professores ao esparguete para concluir que, todos juntos, ficam fortes, mas um a um quebram facilmente. Na verdade, a vida colectiva é mais complexa mas torna-nos mais fortes, para além de ser mais sã e mais democrática. Nela se procuram respostas para situações reais, o que raramente se compadece com a satisfação de clientelas virtuais.

Foi assim, respeitando o jogo e as regras democráticas, que a Fenprof sempre agiu; assim cresceu e afirmou-se; é assim que a Fenprof continuará a actuar... Incomoda?! Claro que sim, como se confirmou nos últimos dias: incomoda o poder, os amigos do poder e os que, não sendo poder, nele buscam um efeito catalisador... Pois bem, o 10.º Congresso decidiu que a Fenprof deverá continuar a incomodá-los!

(*)Secretário-geral da Fenprof

a imagem: 'varinas', de Almada Negreiros

1 comentário:

tiago martins disse...

Através aqui do teu blogue, passei também a ser fã do senhor! Que lucidez, que visão sobre a educação, que combate aos dogmas, quer governamentais, quer sindicalistas! É um verdadeiro ministro da educação por ser! Gostei mesmo muito desse texto que ele escreveu, mordaz e irónico, ao Mário Nogueira, pessoa a quem nunca olhei com muito bons olhos...

Beijinhos! ^^