10 fevereiro 2010

o riso como superação da morte

(..) o riso, um riso louco que nasce dentro do desespero, da violência, no adverso, como uma alegria louca que brota do desespero (...) em entrevista a Mafalda Ivo Cruz

Na história da Psicologia, da Filosofia e da Teoria Literária, existem diversas tentativas de explicação do fenómeno do riso.
  • Aristóteles, na sua Poética, considera que o cómico consiste no prazer de nos rirmos daquilo que é desagradável ou que tem defeitos.
  • Segundo Kant, seria na contradição entre a expectativa e a realidade que residiria a essência do cómico.
  • Para Herbert Spencer, o riso seria o índice de um esforço que se depara repentinamente com um vazio.
  • O filósofo Arthur Schopenhauer defendia o riso como manifestação pessimista diante da dramaturgia absurda que é a vida.
  •  « rien n'est plus drôle que le malheur ». (Samuel Beckett)

O filósofo Francês Henri Bergson realizou um dos mais aprofundados estudos sobre o cómico. Na obra O Riso (que eu tive de ler em tempos de faculdade..) encontram-se reunidos três artigos de fundamental importância para a compreensão dos mecanismos da comicidade:

O riso é a mecânica aplicada no ser vivo. «Ainsi, jusque dans notre propre individu, l'individualité nous échappe. Nous vivons dans une zone mitoyenne entre les choses et nous, extérieurement aux choses, extérieurement aussi à nous-mêmes.» - (Henri Bergson)

Também de fundamental importância para uma tentativa de compreensão do fenómeno do riso é o estudo realizado por Sigmund Freud, intitulado Os chistes e a sua relação como o inconsciente. Nesta obra, que se centra numa expressão concreta do cómico – a anedota – Freud procede à abordagem dos mais importantes meios de criação da comicidade. Concebe o cómico como um meio de obtenção de prazer e de superação da dor.

No trantorno da expressão emocional involuntária, as crises de choro e/ou riso, além de serem incontroláveis, tendem a ser desproporcionais ao estímulo recebido, podendo estar completamente dissociada do estado de humor ou mesmo ser contraditória ao contexto no qual o estímulo está inserido.

O riso e a melancolia respondem por estados de espírito e de ânimo aparentemente opostos, porém complementares. Não obstante as diferentes acepções destes termos no curso da História, eles permanecem tão emblemáticos quanto reveladores da experiência humana. (da exposição O Riso e a Melancolia)
 
(..) uma situação ou uma história real cria tensão dentro de nós. Enquanto tentamos enfrentar dois conjuntos de emoções e pensamentos, precisamos de alívio e a risada é o caminho para limpar nosso sistema de tensão crescente e incongruência. O que achamos engraçado de acordo com a nossa idade ou estágio de desenvolvimento mental, parece estar relacionado com os fatores estressantes deste período. Basicamente, nós rimos daquilo que nos estressa.

Schopenhauer, Bergson, Nietzsche, Bataille e vários outros documentam a preocupação da filosofia com o riso. Baudelaire estuda-o nas artes plásticas, enquanto Freud, Lacan, Roustang e Jacques Alain-Miller observam-no da perspectiva da psicanálise. Quanto mais o espírito está seguro, afirma Nietzsche, mais o homem desaprende a gargalhada, necessária para sair da crença na razão e na positividade da existência.
  • Bergson lembra que o que provoca o riso é o afastamento do homem do que se considera como próprio dele – sua racionalidade e sua suposta capacidade de usar o intelecto, adaptar-se. (..) este segundo riso tem como alvo o próprio eu, seus desejos impossíveis e suas ilusões. Remete à experiência do nada, do impossível e da morte, permitindo pensar o que não pode ser pensado, porque não faz parte do mundo “reconhecido” pela razão.
  • Dostoievski apresenta assim ( no conto “Polzunkóv” ) aquele segundo riso, cuja finalidade está no homem que, rindo, livra-se instantaneamente de um sistema que o oprime, bem como do imprevisível e da morte. Dialogicamente desdobrada em duas, a personagem ri principalmente de suas esperanças frustradas.

Publicado inicialmente em Românica – revista do Depto.de Literaturas Românicas da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. n. 11, 9-26, 2003.

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