enviado pelo Manuel Sanches, um texto de HELENA MATOS, no Público
Por que se calam?

Nem sempre as coisas correram bem mas havia a íntima convicção que nos grandes momentos eles escolheriam a liberdade tal como a tinham escolhido durante as crises académicas. Mas não é isso que está a acontecer. Agora estão calados. Calados como nunca estiveram com Guterres ou sequer Soares. Fazem o pino para justificar o injustificável ou passam discretos a ver se descobrem algo em que possam pegar naqueles que não estão dentro do seu círculo (ou triângulo, se se preferir o imaginário maçónico onde muitos acabaram após a fase juvenil do ateísmo).
Durante meses interroguei-me por que estaria isto a acontecer. Ainda esta semana me caiu no mail aquele PDF com o diploma da licenciatura de José Sócrates, datado de Agosto de 1996, mas de cujo papel timbrado fazem parte números de telefone que só passaram a existir no final de 1999. Quem mandava o mail perguntava: isto já é conhecido, não é? Claro que sim. Isso e tudo o que veio depois é sobejamente conhecido. Mas eles, tão ciosos das suas notas no Técnico, em Direito e em Letras, como no seu tempo se dizia, fazem agora de conta que não é nada com eles ou tornam-se peritos instantâneos em procedimentos jurídicos que levam invariavelmente a anulações e arquivamentos. Por que se calam? Não os move certamente o dinheiro, tanto mais que estão à beira de ser a última geração a gozar as reformas douradas do estado que essa geração dizia social.
A resposta encontrei-a ao ver na televisão as notícias sobre a ronda de contactos entre o secretário-geral do PS e as estruturas partidárias. Eles, os contestatários dos anos 60, são agora a Situação. Sem Sócrates, que obviamente não é um deles, acaba-se a Situação, esta coisa que ninguém sabe o que é mas que se arrasta. Esta coisa em que se mergulha na dúvida, no boato, nos casos e em que os detentores do poder não se afirmam pelo que oficialmente fazem mas sim por conseguirem passar a mensagem de que não existe alternativa às suas pessoas.
Não são de modo algum a primeira geração a ficar refém dum tempo político. “Falhámos a vida, menino” – é uma das frases finais de “Os Maias”.
Mas no caso da geração de 60 não só não parece que esteja interessada em fazer balanços do seu legado – à excepção daquelas evocações que os transformam em heróis – como, por ironia, eles, que em jovens foram tão eficazes a combater o poder, revelam-se agora, à beira de se tornarem velhos, dispostos a quase tudo quando alguém os confronta com aquilo em que se tornaram. E note-se que eles não se tornaram poder que isso já o eram. O que Sócrates fez deles foi transformá-los na Situação.
in PÚBLICO
imagem de Helena Almeida (pormenor)
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