13 dezembro 2009

desabafos rabanadas poesia e o domingo

dizia o O'Neill: «crocodiletante / lacricrimejante / ou vociferante /  ao cri-cri da crítica. / abaixo a política!  / antes a poesia que é coisa mais séria. /  seria?»

pois também já não quero saber de políticas, nem as da educação, muito menos as outras. desisti da esperança, perdi a capacidade do espanto. "porqué te haces ilusiones?", perguntou-me um amigo espanhol, a propósito de outros carnavais. agora não, já não.  hoje quero para mim, apenas, a paz indiferente dos ignorantes, a  quieta bonomia dos pobres de espírito.


uma rabanada que me entende:

Pensar (...)  dói como um espinho encravado num calcanhar. Toda a vida me tem doído pensar.
João de Melo, in As Coisas da Alma


e poemas,  excertos, de um heterónimo que podia ser eu, hoje..

Não ter emoções, não ter desejos, não ter vontades,
Mas ser apenas, no ar sensível das coisas
Uma consciência abstracta com asas de pensamento,
Não ser desonesto nem não desonesto, separado ou junto,
Nem igual a outros, nem diferente dos outros,
Vivê-los em outrem, separar-se deles
Como quem, distraído, se esquece de si…

*
Estou cansado da inteligência.
Pensar faz mal às emoções.
(..)Se ao menos com ela se apercebesse qualquer coisa!
Mas só percebo um cansaço no fundo, como baixam na taça
Aquelas coisas que o vinho tem e amodorram o vinho.

*
Começo a conhecer-me. Não existo.
Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,
Ou metade desse intervalo, porque também há vida …
Sou isso, enfim …
Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulhos de chinelos no corredor.
Fique eu no quarto só com o grande sossego de mim mesmo.
É um universo barato.

*
E deito um cigarro meio fumado fora
Para irremediavelmente acender um novo cigarro
Impaciente até à angústia,
Como quem espera numa estação dos arredores
O comboio que há-de trazer ah tão talvez, quem talvez venha

Álvaro de Campos ainda..

a imagem, distorcida e invertida, eu.. ou um quadro de Egon Schiele

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