A inteligência, a seriedade, a responsabilidade, parecem ser-lhe conceitos alheios. Ninguém lhe pedia essas virtudes. Apenas que se tivesse abstido de abrir a boca em assuntos que não lhe dizem respeito. Apenas, e simplesmente, que não tivesse lá posto os pés.
Em África, ontem, houve um papa. Um papa que, em África, disse: «o uso do preservativo não é uma solução e pode agravar o problema da Sida.». Em África, o continente mais cruelmente massacrado pelo flagelo da sida, um papa disse ontem que o preservativo não é abençoado pela igreja.
E eu, que nem queria acreditar quando li a notícia, senti que tinha de ser africana também: "ich bin eine Afrikaner", ao jeito de Kennedy em Berlim. Que temos de ser também africanas as pessoas todas deste outro lado do mundo. Porque houve um papa que nos mentiu descaradamente, que insultou a nossa inteligência, que escamoteou as evidências. Porque um papa nos ofendeu e nos atacou no mais íntimo do nosso ser, recusando-nos o direito à saúde e à vida. Que, usando o seu poder e a sua influência, condenou todos os que não sabem
- que a sida se tornou já, praticamente, uma doença crónica. Não em África.
- que para a sida, já há tratamentos que garantem uma qualidade de vida. Não em África.
- que os surtos de sida têm vindo a ser controlados por insistentes campanhas de prevenção. Não em África.
- que a sida se deve e pode prevenir, através de relações sexuais protegidas, do uso do preservativo. Não em África.
Há dias tinha postado o videoclip dos médecins sans frontières: um apelo à prevenção, ao tratamento, como um direito de todos. Mas eis que esta figura sinistra vai de visita a África. E sinistramente, hipocritamente, faz apelo a quê? À castidade, senhores! Ao respeito e ao cumprimento das estúpidas leis da sua reaccionária igreja, dos seus autistas representantes.
O homem devia ser expulso de África o quanto antes. Antes que chegue a Angola, aonde irá depois dos Camarões. Vítimas - de todas as bestas, doenças, guerras - já as lá há de sobra.
Terrorismo na sua forma mais primária, o que ele fez. E um atentado inequívoco contra a humanidade. Porque a palavra é uma arma, e das mais mortíferas, quando se mal-usa assim, em nome de deus.
a notícia, aqui
as reacções internacionais (França e Bélgica), aqui
5 comentários:
é por estas, e por outras coisas deste tipo, que eu apenas consegui passar de ateu a agnóstico.
e não é o acreditar em deus que me faz confusão, é o acreditar nas pessoas que se dizem donas da palavra de deus...
a palavra genocídio é a que melhor encontro para descrever as declarações do chefe da igreja católica!
Quando li esta notícia pela primeira vez só me vieram seis palavras à cabeça que, apesar de irónicas, reflectem bem o que eu sinto em relação ao que foi proferido por este papa. São as palavras "O Papa vai para o Inferno". Ele vai para o Inferno por ter condenado à morte milhões de pessoas em todo o mundo, com uma frase que reflecte a ignorência cega com que a igreja bombardeia a humanidade todo o santo dia. Uma frase que destruiu anos e anos de campanha, de luta e de sofrimento para tentar reduzir ao mínimo os números dessa doença horrível que é o HIV-SIDA. E tomemos em consideração que cerca de 70% da população seropositiva é africana. Reduzir esses números não é tarefa fácil. Que se tornou ainda mais difícil por causa de um homem. Um homem, mortal como outros 6 mil milhões, num dos cargos mais sobrevalorizados da História, arruinou a vida de milhões de homens, mortais como os outros, esses sem cargos pseudo-importantes. Uma vénia aos países e às ONG que condenaram o dito pelo Joseph Ratzinger. Se houvesse justiça neste mundo, amanhã ou ainda hoje, esse senhor seria preso por aquilo que a professora disse: "Terrorismo na sua forma mais primária, (...) um atentado inequívoco contra a humanidade".
É o que disse ao início: se realmente houver algo de superior, se esse algo superior for justo, este papa vai para o inferno ("Não matarás" ainda é um dos dez mandamentos, não é?). Se não houver algo de superior, pelo menos nessa altura ele já não pode matar mais ninguém... (A ver vamos o sucessor...)
Beijinhos
aqui no "plat pays" belga as reacções tb foram visíveis nas 1as páginas dos jornais: que indignidade, que insulto à condição humana! juntando a isto a ridícula excomunhão que, no brasil, a igreja ofereceu a médicos e mãe da menina de 9 anos grávida por obra do padrasto (não excomungado!), aí temos o vaticano em todo o seu esplendor de alheamento, de desrespeito, de arrogância e de intolerância. enfim, que se pode esperar? era bom podermos esperar que o mundo enxotasse o vaticano e o papa e a igreja católica bem para o fundo do poço negro onde eles realmente já vivem e onde pertencem!
mando um link para um comentário publicado num jornal daqui:
http://www.lesoir.be/forum/editos/le-sida-hypotheque-le-2009-03-18-696365.shtml
Concordo com tudo o que se disse antes, o único lado positivo é que este Papa ajuda a ridicularizar e ao desacreditar esta igreja tao católica, tao apostólica e tao romana que cada vez tem menos fiéis.
Já se conseguiu erradicar a Varíola, poderá ser possivel erradicar o cristianismo?
Aqui vai um comentário polémico: Mas o que queriam que o papa dissesse? Por estas e por outras é que não sou católica. Mas quem é deve sê-lo até ao fim.
Tem sentido? Para mim não. Para os católicos deve ter.
Acho uma aberração estas declarações? Acho. Vindas do papa? Não!
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