26 junho 2011

o país do chico-espertismo

... pois em Portugal copia-se, sim, e muito! ... e é por partirem todos desta premissa/facto sem argumentos.. que, por exemplo nos exames nacionais do E. Secundário, se põem dois professores de vigilância a 14 alunos, muitas vezes em provas com duas versões!
Ainda assim, há sempre os 'chicos-espertíssimos' que conseguem burlar o sistema, à custa do 'copianço' ou de outras nobres manobras...  há quem, p. ex, acabe o curso a um domingo .... quem cometa plágio em programas eleitorais ....  quem ...



in Público, 25/6/11 - aqui

Por Pedro Vaz Patto *

Copianço, magistratura e sociedade
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É ilusório pretender que os candidatos a magistrados não deixem de reflectir os vícios da sociedade de onde provêm
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Muitos concordarão com o comentário do antigo Presidente da República Jorge Sampaio a propósito do chamado "caso copianço": à já tão afectada credibilidade da Justiça não convinha nada mais este abalo.

Os que têm procurado dedicar o melhor de si à formação dos futuros magistrados (fi-lo durante nove anos e até ao ano passado) serão os primeiros a lamentar o episódio e a recusar minimizar o seu significado de sintoma da menor postura ética de alguns dos actuais candidatos às magistraturas.

Mas importa não deixar que um triste episódio isolado destrua o património de prestígio de uma instituição que se foi consolidando ao longo dos anos. A desconfiança nessa instituição há-de reflectir-se na desconfiança em relação aos magistrados nela formados, que hoje estão nos tribunais. O gosto do escândalo pelo escândalo, ou da polémica corporativa, não pode levar a esquecer efeitos colaterais como este, com o que todos verdadeiramente perdem. Opinar sem perfeito conhecimento de causa também é comum em ocasiões como esta. E, neste caso, é evidente o risco de fazer transparecer para a opinião pública uma caricatura do que vem sendo a formação de magistrados.

O nosso sistema vem sendo observado como modelo por países (designadamente da Europa de Leste) que, no âmbito da consolidação do Estado de direito, implementaram nos últimos anos sistemas de formação de magistrados. Influenciou directamente algumas das escolas aí criadas. Vários dos docentes do CEJ participaram em acções de formação de formadores nesses países. Como reflexo do prestígio que o nosso sistema granjeou em toda a Europa, o cargo de secretário da Rede Europeia de Formação Judiciária é hoje ocupado por um português em representação do CEJ.

A avaliação dos futuros magistrados depende essencialmente de um acompanhamento personalizado por parte de vários formadores, não depende de testes de escolha múltipla (que nela ocupam um papel de todo marginal, explicado pelas particularidades das matérias em causa e da sua leccionação) em que se possa copiar. Nessa avaliação tem papel preponderante, para além dos aspectos de técnica jurídica, a apreciação de aspectos pessoais de sociabilidade, sensatez e equilíbrio, sentido de justiça, capacidade de ponderação e decisão e postura ética e deontológica. Foram vários os candidatos recusados por apresentarem falhas nestes planos e por motivos que certamente não os impediriam, nem impedem, de exercer outras profissões, jurídicas ou não. Há a clara consciência de que a um magistrado são exigíveis qualidades pessoais e padrões éticos superiores aos do comum dos cidadãos.

de Cornelia Parker, instalação
Sempre considerei que podia, e devia, confiar nos candidatos às magistraturas que ajudei a formar nestes nove anos, que haveriam de exercer funções em tribunais necessariamente sem a vigilância contínua de um inspector. Não posso dizer que "ponho as mãos no fogo" por todos eles (tal seria impossível, mesmo no mais rigoroso dos sistemas), mas estou à vontade para dizer que o faço em relação à esmagadora maioria.

O que concluo deste episódio é que é ilusório pretender que os candidatos a magistrados não deixem de reflectir os vícios da sociedade de onde provêm, como se fossem feitos de outra "massa", ou tivessem um "gene" especial. Não é assim. Numa sociedade onde os padrões éticos se deterioram, é natural que isso se reflicta nas atitudes desses candidatos. Ninguém ignora como impera entre nós a tolerância para com o "copianço", a pequena fraude e a pequena desonestidade. Desde os bancos de escola, nos vários graus de ensino, até às mais variadas profissões e até à classe política (há anos, o escândalo de deputados que assinalavam a sua presença em reuniões a que faltavam não assumiu estas proporções). Mas "quem é infiel nas pequenas coisas também o é nas grandes"...

Oxalá o "caso copianço", como um choque que serve de alerta, um "mal que vem por bem", sirva para mudar estes hábitos e esta mentalidade, entre os candidatos às magistraturas e não só... 

* Juiz
artigo retirado daqui

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