11 maio 2011

entrevista a Santana Castilho

in Educare - aqui
Sara R. Oliveira
2011-05-11

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  • “Impuseram, à bruta, um sistema de classificação inqualificável”
  • "A vida dos docentes está submersa por papéis, processos, reuniões e práticas administrativas sem sentido, inúteis, ineficazes e doentiamente kafkianas", avisa no seu livro. E mais: os professores portugueses trabalham, em média, mais 83 horas por ano do que os colegas da OCDE.
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O professor Santana Castilho critica, sem rodeios, o estado da Educação no seu novo livro. A obra é lançada amanhã e, entre muitos assuntos, aborda a perda de autoridade dos professores e revela que 27% dos pacientes dos psiquiatras são docentes.
Santana Castilho, professor de Organização e Gestão do Ensino, vai direto ao assunto. Na sua opinião, a sociedade tem vindo, gradualmente, "a perder a noção que o sistema de educação serve pessoas". As suas ideias são apresentadas no livro O Ensino Passado a Limpo - Um sistema de ensino para Portugal e para os portugueses, editado pela Porto Editora e lançado amanhã. Uma crítica dura ao estado da educação no nosso país.

"Os professores perderam o poder porque se endeusaram políticas de falsa promoção de sucesso escolar, afogando-os em burocracias sem sentido, impeditivas do cumprimento da sua missão nobre: ensinar", refere nesta entrevista, sustentando que há uma crise de autoridade na escola.

O facilitismo e a indisciplina são, na sua perspectiva, os grandes problemas do Ministério da Educação. Aponta o dedo ao fabrico de resultados estatísticos imediatos, garante que tudo falhará se se continuar a reformar por decreto e defende a autonomia das escolas e a extinção das direcções regionais de educação. 

A educação é um direito. Refere que é um "disparate" ter os portugueses na escola até aos 18 anos e está cansado das iniciativas que garantem os direitos das minorias prevaricadoras e não das maiorias cumpridoras. Em seu entender, é preciso alterar o modelo de gestão das escolas, auditar a actividade da Parque Escolar, debater publicamente os programas escolares e recuperar os exames nacionais a todas as disciplinas. "A educação nacional foi, nos últimos seis anos, governada por snipers da portaria e do despacho, que usurparam a democraticidade e destruíram a cooperação", escreve na sua obra.

Um livro que desmonta várias situações e que aponta caminhos que podem ser escutados e integrados numa nova política educativa. O líder do PSD, Pedro Passos Coelho, assina o prefácio. "Aqui se procura, com grande pragmatismo mas sem perda de um sólido quadro de referência programática, apontar orientações e soluções susceptíveis de serem incorporadas num programa de acção política governativa", sublinha o social-democrata.

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EDUCARE.PT: Refere, no seu livro, que há uma crise de autoridade na escola. Os professores perderam o "poder" que tinham? Alterar o Estatuto do Aluno poderá ser uma forma de recuperar o "respeito"?
Santana Castilho: Os professores perderam o poder porque foram sistematicamente vilipendiados e apontados como responsáveis pelos erros dos políticos. Os professores perderam o poder porque se endeusaram políticas de falsa promoção de sucesso escolar, afogando-os em burocracias sem sentido, impeditivas do cumprimento da sua missão nobre: ensinar.

Os professores perderam o poder porque quiseram, mal, que eles substituíssem a responsabilidade primeira dos pais: fornecerem aos filhos regras de conduta civilizada, sem as quais nenhuma escola funciona, por melhores que sejam os professores. Os professores perderam o poder porque políticos demagógicos se esqueceram que o direito à educação é indissociável do dever de estudar e trabalhar, missão do aluno. Neste contexto, a alteração do Estatuto do Aluno ajudará a trazer uma nova ordem à escola. Mas é apenas um aspecto de um trabalho pesado, que pesa sobre o próximo Governo. O Estado tem vivido em licença sabática, ocupado a servir a sua corte. Há que acordá-lo para que sirva todo o país e todos os portugueses, a sua missão, afinal.



E: Critica duramente o modelo de avaliação, referindo que é "tecnicamente uma nulidade e politicamente um desastre". Contra a avaliação ou a favor de um outro método avaliativo?
SC: A avaliação é uma coisa distinta da classificação. Um primeiro-ministro e uma ministra da Educação ignorantes e que odiaram os professores confundiram os dois conceitos e impuseram, à bruta, um sistema de classificação inqualificável.

Não sou contra a avaliação, desde que seja exequível e contribua para melhorar a qualidade do sistema de ensino e a qualidade do desempenho dos professores. Qualquer inteligência média compreende isto. Infelizmente, muitos políticos e comentadores não compreenderam e continuam a não compreender.


E: Sustenta que tudo falhará se se insistir em reformar por decreto e defende a autonomia das escolas. Neste sentido, qual seria o papel do Ministério da Educação?
SC: Definir as políticas, garantir a qualidade do sistema de ensino (e o que se entende por qualidade também tem de ser definido), zelar pela eficiência do sistema (porque o dinheiro dos contribuintes tem de ser bem gasto e com resultados), supervisionar e apoiar construtivamente as escolas e os professores no seu exercício profissional autónomo.


E: Avaliar as actividades da tutela é uma das medidas que propõe no seu livro. Desconfiado com a actuação do Ministério?
SC: Como em qualquer sistema, quem dirige é o primeiro interessado em ter elementos constantes que permitam corrigir rotas mal traçadas. Um Ministério da Educação não é um califado a que se deva obediência cega, ou um papado infalível. Não é uma questão de desconfiança. É uma questão de mudança de paradigma. Auscultar o que os portugueses pensam da aplicação das políticas delineadas pelo Ministério da Educação parece-me ser um belo começo para que professores, pais e alunos se sintam cada vez mais como entidade coesa.

Utopia? Talvez! Mas um grande Professor (a maiúscula é intencional), que também foi poeta, ensinou-nos, há muito, que o sonho comanda a vida.


E: Escreve que o facilitismo e a indisciplina são os problemas maiores do Ministério da Educação. Em que se reflectem esses problemas?
SC: Na falta de seriedade do sistema de ensino, na ausência de condições de base para que os professores possam trabalhar e na falta de futuro dos nossos filhos e netos.


E: O que se ganharia com a extinção das direcções regionais de educação, como sugere?
SC: O que se ganha quando se removem excrescências moles, que de nada servem a não ser complicar o normal funcionamento do sistema. Defendo, como sabe, a ampla autonomia das escolas e a responsabilização plena dos seus agentes pela respectiva missão. Neste quadro, ter uma corte de burocratas de serviço, que são meras correias de transmissão de um poder centralizado, que também combato, seria impensável. Tanto mais que consomem uma boa maquia dos impostos dos portugueses.


E: Estamos perante um sistema de ensino que não funciona? Diz que copiar modelos do estrangeiro nem sempre resulta...
SC: Não resulta nunca. Temos a nossa cultura e os nossos problemas específicos.


E: Por que razão afirma que é um "disparate" ter os portugueses na escola até aos 18 anos?
SC: Como pai, não aceito que o Estado decida por mim e pelos meus filhos a educação que eles prosseguem. Como cidadão, quero liberdade para trabalhar aos 16 anos, como, aliás, o próprio Código do Trabalho consigna. Deve o Estado garantir a todos que queiram e tenham capacidade para tal, sublinhe-se, a prossecução de estudos, sem entraves. Mas não deve o Estado impor a escola a quem já pode ser responsabilizado por crime, sabe o que faz e quer ir trabalhar. Porque, ao invés de ser compulsiva, a educação deve ser tida como um direito. Chega de Estado que diz proteger-nos de tudo menos dele próprio.

Ao argumento anterior, que é teórico, acrescem outros, de natureza prática. Os nove anos de ensino obrigatório, aprovados em 1986, demoraram 10 anos a transpor para a prática efetiva. Ainda hoje não são cumpridos na íntegra. Manter na escola, à força e à pressa, quem lá não quer estar ou não tem capacidade para prosseguir estudos, acrescentará mais violência e mais indisciplina a um ambiente que já é grave. Tal medida, a não colher o primeiro argumento, pressuporia uma preparação, que não foi feita, para receber os estimados 30 000 novos alunos. Pressuporia uma reformulação completa dos objectivos e das vias do ensino secundário, principalmente quanto ao ensino profissional que, como está, é um logro. Pressuporia a efectiva gratuitidade do ensino, que está longe de estar cumprida no quadro dos nove anos até há pouco vigentes.

Se uma das causas do actual abandono, que se aproxima dos 36%, radica nesta variável, alguém de bom senso antecipa que a sociedade, com dois milhões de pobres e dois milhões de assistidos, mais de meio milhão de desempregados e magro PIB, pague para ficar com os filhos 12 anos sentados na escola? Com outros salários, com outro nível de vida, talvez. Assim, obviamente que não! E não me venham com a falácia das bolsas, que um Estado quase falido não vai poder pagar. É só olhar para a história de 2005 a 2011 para perceber que estamos nos antípodas da seriedade e no terreno do mais rudimentar marketing político.


E: Por outro lado, defende que as crianças só devem entrar na escola aos sete anos...
SC: Não defendo, liminarmente. Penso que seria uma boa medida, por acautelar, em termos genéricos, uma outra maturidade à entrada no ensino obrigatório. Proponho que se discuta o tema e se ouçam os especialistas.


E: O debate público dos programas escolares é, na sua opinião, um caminho para que os currículos sejam mais eficazes?
SC: Sim, mas falo de um debate público com organizações qualificadas.


E: Critica a actuação do Governo nos últimos dois mandatos, desconstrói alguns discursos de José Sócrates, coloca em causa a amostra utilizada no PISA, refere que se protege mais a minorias prevaricadoras do que as maiorias cumpridoras, revela que 27% dos pacientes dos psiquiatras são professores. O que mais o preocupa neste mundo da educação?
SC: A síntese do que me preocupa é o próprio livro. Mas, se quiser uma síntese da síntese, dir-lhe-ei: temos, gradualmente, vindo a perder a noção que o sistema de educação serve pessoas.
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