27 dezembro 2010

uma pedra sobre o PISA

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PISA: mentiras, perplexidades e factos

Santana Castilho *


Assentou a poeira e desfez-se a espuma dos dias. É tempo de analisar as mentiras, recordar os factos e partilhar perplexidades.

Andreas Schleicher, director do PISA, é claro quando diz ao que o programa veio: medir quanto “value for money” (conceito económico que exprime a utilidade do dinheiro despendido) resulta dos sistemas de ensino em análise. O PISA não se ocupa de determinar e comparar todo o conhecimento que deriva dos vários domínios curriculares. O PISA centra-se na capacidade para resolver problemas básicos, detida por jovens com idades compreendidas entre os 15 anos e quatro meses e os 16 anos e quatro meses. Sendo de inegável utilidade, este quadro é redutor porque deixa de fora valências humanistas e culturais dos sistemas de ensino. Merece alguma reflexão ver democracias líderes do desenvolvimento tecnológico e científico mundial (Alemanha, França, Reino Unido e USA) remetidas para posições modestas no PISA, enquanto um sistema ditatorial se guinda ao primeiro lugar do ranking (Xangai).

Com a ressalva supra, é incontestável a importância de todo o manancial de informação que o PISA proporciona. Mas a contrapartida para esse benefício está a tornar-se perniciosa: as orientações que dele emanam têm vindo a ser aceites com uma preocupante atitude reverencial. Os resultados obtidos pelos estudantes portugueses em 2009 melhoraram muito e isso é bom. Mas onde estamos? No último terço da tabela dos 33 países da OCDE. Abaixo da média em todos os domínios considerados (489 pontos em leitura, 487 em Matemática e 493 em ciências, para médias da OCDE de 493, 496 e 501, respectivamente). E tudo isto por referência a 698 pontos possíveis. Cerca de 19 por cento dos nossos estudantes não souberam justificar por que devem lavar a língua quando lavam os dentes, sendo certo que a resposta estava contida no texto do teste; 23,7 por cento não souberam fazer uma simples conversão cambial; e nas ciências, 16,5 por cento não responderam a uma pergunta de nível 1, o mais baixo dos 6 cotados. Justifica isto a histeria de Sócrates e dos cronistas do regime e a recuperação de defuntos políticos? A propaganda lida mal com os factos. Mas eles existem. Continuemos a recordá-los.

Sócrates disse que os resultados de 2009 são fruto:

- Das políticas começadas em 2005 e do trabalho de Maria de Lurdes Rodrigues. Falso. Os jovens que responderam aos testes pertencem à primeira geração positivamente condicionada pela generalização do pré-escolar, promovida por Marçal Grilo, e conheceram 4 ministros da educação, que Sócrates olimpicamente ignora (Santos Silva, Júlio Pedrosa, David Justino e Carmo Seabra).

- Da introdução da banda larga e dos computadores portáteis. Falso. Os jovens testados não fruíram do programa “Magalhães”. Na análise dos resultados de 2009, o PISA estabelece uma correlação entre os resultados e dois indicadores: o acesso à internet e a posse de uma biblioteca em casa. E que verificamos? Que os possuidores de biblioteca superam em cerca de 20 pontos, em todos os domínios medidos, os que só têm acesso à internet.

- Do modelo de avaliação do desempenho dos professores de Lurdes Rodrigues. Falso. Todos sabem que tal coisa não foi aplicada até 2009.

- Do novo regime de gestão das escolas. Falso. Todas as escolas frequentadas pelos alunos testados foram ainda geridas sob o antigo sistema, isto é, por conselhos executivos eleitos pelos professores.

Mas a cereja em cima da pisa deste contexto de manipulações primárias radica nas legítimas suspeições que a amostra portuguesa suscita. Deveria ser aleatória e estratificada. Mas tudo indicia que não foi. Só o conhecimento da listagem das escolas e dos alunos seleccionados apagaria a suspeita que detenho e assim fundamento:

- Terão sido inicialmente indigitados 8480 alunos. Podem subsistir exclusões (falta de autorização parental, insuficiente domínio linguístico ou deficiências profundas). O relatório técnico da OCDE diz que a sua taxa média de exclusão foi 3,32 por cento e que a portuguesa foi 1,5 por cento. Mas terão respondido apenas 6298 alunos. A taxa de exclusão salta assim para uns anormais 25,73 por cento. Que aconteceu a 2182 alunos?

- Fica gravemente comprometida a representatividade de uma amostra quando se treinam alunos e professores para responder aos testes do PISA. O próprio organismo responsável pela administração do PISA em Portugal, o GAVE, confessa-o a páginas 36 e 37 do seu relatório de actividades de 2009.

- O 10º ano é o adequado à faixa etária dos alunos testados. A proporção dos alunos do 7ºano (tri-repetentes) e do 8º ano (bi-repetentes) presentes na amostra de 2009 é bem menor relativamente à amostra de 2006. E os que frequentam o 10º e o 11º ano sobem consideravelmente na amostra de 2009. O peso das escolas privadas quase triplicou. Sendo inquestionável que estas circunstâncias têm enorme peso nos resultados, mandaria a transparência do processo que a OCDE não se escondesse atrás do Governo e este não invocasse estranhos contratos de confidencialidade com a OCDE, num sinuoso ciclo que só fomenta desconfiança.

- Ao mesmo tempo que o Eurostat revela que Portugal é o país da Europa com mais crianças pobres, que cantinas escolares matam fome em férias e aos fins-de-semana, a amostra portuguesa é composta por alunos que dizem ter 2 ou mais computadores em casa (mais de 70 por cento) e 2 automóveis (60 por cento), indicadores que superam as médias da OCDE e nos permitem questionar a validade da amostra.

Pisados, mas não estúpidos!


* Professor do ensino superior
publicado no jornal Público em 22 de Dezembro de 2010




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PISA: um olhar inclinado sobre a educação

J.A. Faria Pinto *


Os resultados dos últimos testes (2009) do PISA revelaram que os alunos portugueses com 15 anos, nessa data, foram os que manifestaram maiores progressos em Leitura, Matemática e Ciências, situando-se agora um pouco abaixo da média dos países da OCDE, organização de países capitalistas, mas democráticos, que promove trienalmente esse estudo comparativo.

O senhor engenheiro relativo alardeou com grande espalhafato esses resultados para realçar a correcção da sua política educativa, com destaque para a escola a tempo inteiro, que não atingiu esses alunos, e para as actividades de substituição, onde os alunos se entretêm conversando, fazendo fichas, jogando ou realizando outra coisa qualquer que faça com que o tempo, em que estão guardados entre quatro paredes, passe o mais rapidamente possível.

Um ou vários especialistas da organização que promoveu o estudo sublinharam a importância da avaliação de professores, como factor determinante para a melhoria desses resultados, apesar de ainda não ter sido verdadeiramente implementada à data da realização desses testes e de ter confirmado, exactamente como na avaliação anterior (por eles não reconhecida), que mais de 90 por cento dos professores têm um desempenho profissional considerado bom ou mais do que bom.

Alguns jornalistas e opinadores do PSD também exultaram com este estudo, ousando afirmar que “a Pisa vai inteirinha para Maria de Lurdes Rodrigues” e que “todos gostaríamos que o PSD tivesse a melhor ministra da Educação, em muitas décadas, no próximo governo social-democrata”.

As organizações sindicais, à semelhança dos partidos da oposição, manifestaram também satisfação pelos resultados, sublinhando a competência e, sobretudo, a capacidade de resistência dos professores pelo facto de, apesar da degradação das suas condições de trabalho e dos ataques de que foram vítimas, terem conseguido (paradoxalmente) melhorar o seu desempenho profissional.

À excepção de alguns especialistas e comentadores que aprenderam a ler por outra cartilha, ninguém questionou a credibilidade científica do estudo realizado pela OCDE. E as questões são mais do que muitas, começando no (pre)conceito de Educação perfilhado por essa organização, passando pelo conteúdo dos testes e sua adaptação a cada país, e acabando na metodologia de construção da amostra de alunos que realizam os testes. Valeria a pena escrutinar e discutir todos estes aspectos e, principalmente, saber se a amostra dos alunos que realizaram os testes em 2009 é comparável à amostra de 2006 ou se, desta vez, houve maior cuidado na escolha das escolas. Mas parece que esse assunto é segredo de Estado.

Conversando sobre isto com o meu filho que é de ciências, ele perguntou-me se este estudo tinha sido repetido por outra entidade, utilizando a mesma metodologia, ou se tinha sido publicado em alguma revista científica. Perante o meu desconhecimento sobre esses factos ele respondeu que, se assim não for, esse estudo não tem validade científica. Foi o bastante para retirar o ponto de interrogação que inicialmente tinha colocado no título deste texto.

Sendo o sucesso dos alunos o principal factor da realização profissional dos professores e do aumento do seu prestígio social, pode parecer ingénuo, e até estéril, questionar a credibilidade do PISA. O problema é que este Programa, tal como está configurado, não só reforça a orientação utilitária e competitiva que a OCDE está a impor a todos os sistemas educativos, como legitima as políticas educativas implementadas em Portugal há vários anos. O desinteresse ou indiferença perante a validade dos seus resultados, mais do que ingenuidade, poderá significar colaboração com uma mentira perigosa.


* Professor do ensino secundário; sindicalista
publicado no site do SPGL em 15 de Dezembro de 2010

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