05 fevereiro 2010

2 poetas

1

A febre do que me suponho
Tolda-me a fronte de o pensar.
Mas, se penso, somente sonho,
Porque a febre me faz sonhar.

Num intervalo de mim mesmo
Durmo desperto sem razão,
E sou um encontrar-me a esmo
Entre silêncios em desvão.

Delírio de quem o não tem,
Sonho que não me faz dormir —
Isto não é nem mal nem bem,
Não é pensar nem é sentir.

Fernando Pessoa

2

Coitado! que em um tempo choro e rio;
Espero e temo, quero e aborreço;
Juntamente me alegro e entristeço;
Du~a cousa confio e desconfio.

Voo sem asas; estou cego e guio;
E no que valho mais menos mereço.
Calo e dou vozes, falo e emudeço,
Nada me contradiz, e eu aporfio.

Queria, se ser pudesse, o impossível;
Queria poder mudar-me e estar quedo;
Usar de liberdade e estar cativo;

Queria que visto fosse e invisível;
Queira desenredar-me e mais me enredo:
Tais os extremos em que triste vivo!

Luís de Camões

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