10 novembro 2009

Sou ateu, graças a Deus...

Há quem às vezes me pergunte por que razão não gosto da Igreja. Nem da católica, nem de qualquer outra religião. Já tenho respondido que não gosto das Igrejas pela simples razão de que sou uma pessoa com valores morais. Ao que me replicam que a religião induz valores morais. E eu depois respondo, citando, coisas como esta.

Diz o senhor Jorge Ortiga (sim, há uma recusa pura e simples em pôr a designação de "dom") que se está a tentar incutir a igualdade entre os homens e as mulheres, tornando irrelevante a diferença natural entre eles. Di-lo como se fosse algo impensável, algo de mau.

Diz ainda que não está no direito de cada indivíduo "concretizar livremente (...) as próprias escolhas segundo as suas preferências, desejos ou inclinações". E muitos outros disparates que vão artigo fora, cada um pior que o outro, mas todos girando à volta destas duas teses.

Portanto, para resumir: para o senhor Ortiga a igualdade entre homens e mulheres não existe porque existem diferenças "naturais"; um indivíduo não possui o direito de concretizar livremente as suas "escolhas".

Ora bem, se há alguma coisa que aprendi com declarações como esta foi que ainda há a ideia da submissão da mulher ao homem. Existiu nos séculos I, II, III (...) XIX... No XX ainda houve, mas com tendência a decair. Estamos em pleno século XXI e uma pessoa importante (não para mim, mas para milhares de pessoas, católicos e praticantes, desse Portugal fora) diz que ainda há diferenças naturais entre o homem e a mulher. É certo (para quem crê) que Adão comeu a maçã por causa de Eva, mas isso ainda tem que perseguir as mulheres hoje em dia? Não será uma interpretação muito... literal... da Bíblia? (Ah, não... Então esperem lá... Faz-se ou não uma interpretação literal da Bíblia? Estou confuso. Dizem ao Nobel para parar de o fazer, mas fizeram-no ao longo de 2009 anos, ou estou enganado? Ou é só para os que lhes convém?...) As mulheres, a terem alguma coisa em cima não é a discriminação que merecem. Antes pelo contrário, merecem reconhecimento e respeito, coisa que não tiveram na cultura religiosa de muitas religiões ao longo de anos e anos, milhares deles... É repugnante que ainda se pense assim. É de uma perversidade intelectual inominável e inquantificável.

Arrota também o Ortiga (consoante vou avançando, menos respeito vou tendo pelo homem, se tal é possível, e, portanto, vou também reduzindo nos nomes) a tal coisa de que não está no direito de cada um concretizar as suas "escolhas". Para além da ideia perfeitamente retrógrada de que a homossexualidade, a bissexualidade ou a pan, ou a a, ou qualquer outra orientação, é uma escolha, dizer que as pessoas não têm direito a concretizar as suas relações, livremente, mostra uma ideia perfeitamente fascista e de controlo absoluto. É que o homem (aqui já não sou capaz de referir nenhum nome...) poderia até estar contra o casamento homossexual, muita gente está. Mas não. É a ideia de que ninguém pode casar, homem e mulher, mulher e mulher ou homem e homem, juntar-se no seio do amor sem o amém de outrém que acho ainda digno de um 24 de Abril. Nem de um 24, de um 16 ou antes, porque nada faz pensar que vem aí uma revolução.

Respeito os crentes, amigos meus são religiosos e não é por isso que nos damos mal. Até a crença acho estimulante, mais não seja pela prova científica que a crença e a fé têm propriedades analgésicas, mas não é só por isso. É também pelo fascíno que me leva a ler textos e textos relacionados com a religião. Mas não me peçam respeito a quem consegue viver consigo próprio depois de rebaixar as mulheres e tirar o direito de união livre entre quem quiser.

7 comentários:

fado alexandrino. disse...

Há quem às vezes me pergunte por que razão não gosto da Igreja

Gosta-se de bolas de Berlim, de cinema ou de passear á beira-mar.
Religião e outra coisa, talvez que na sua juventude ainda não seja possível explicar-lhe o que é a fé.
Na realidade ou se têm ou não se têm.
O resto do seu texto acumula uma séria impressionante de banalidades derivadas de ir ler um texto que é escrito para as pessoas que têm essa fé.
Era como eu ir ler um texto de um adepto do Futebol Clube do Porto a mostrar as maravilhas daquele clube, não ia perceber nada.
Uma coisa acho sempre perturbante, porque é que aqueles que não têm nenhuma religião perdem tanto tempo a ler textos religiosos?

AL disse...

"por que é que aqueles que não têm nenhuma religião perdem tanto tempo a ler textos religiosos?" - pergunta FA.

pois.. quem sabe .. curiosidade intelectual, pura e rara, que ainda há quem a tenha bem acesa. Ou, simplesmente, tempo passado em delícias de leituras mais ou menos impressionantes, mais ou menos banais ..

o tempo, o seu próprio, legítimo tempo, cada um perde-o naquilo que muito bem lhe der na real gana. E, deixe que lhe diga, ninguém tem nada, mas mesmo 'lo más mínimo' a ver com isso, 'tá?

e já agora .. «Na realidade ou se têm ou não se têm.» .. o quê? bolas de Berlim??! - é que são as únicas em concordância com o verbo ..

fado alexandrino. disse...

Muito obrigado.
Como professora dedicou-se a corrigir um erro de quem tem poucos estudos.
Fez bem.
Quanto ao resto divagou e ai fez mal.
Ler textos de que à partida só vamos discordar e para os quais não queremos ter nenhuma abertura parece um exercício masoquista, mas enfim há gostos para tudo.

Nota Fiz passar o comentário pelo corrector, vamos lá a ver se saiu direitinho.

Tiago Emídio Martins disse...

Fado Alexandrino, percebo perfeitamente o que é a fé. Percebo o que é ter "mais-que-esperança" numa figura superior. Percebo o que é acreditar-se que tudo vai ficar bem. Percebo que a fé, a não mover montanhas, move multidões. Mas também percebo a deturpação que se faz da fé nos dias de hoje. Os cristãos, os muçulmanos, os judeus, mais crenças e seitas venham, todas têm fé. Tirando, talvez, as crenças não-teístas, mas mesmo essas hão-de ter um tipo de energia a guiá-las, supostamente, seja karma, sejam chakras, seja o que for. No entanto, nunca perguntaram a ninguém, numa fase ou noutra da sua vida "então diga-me lá, todas estas [religiões] podem estar certas, ou até mesmo pode não estar nenhuma e não existir nada disto. Ao que quer pertencer?" Uma criança nasce no seio do catolicismo, oferecem-lhe um colar com uma cruz; nasce no seio do judeísmo, é circuncisada; nasce no seio budista e é o orgulho dos pais se for para o mosteiro isolar-se do mundo... A religião não devia ser nada de imposto. Sou um acérrimo defensor do conhecimento religioso e da liberdade religiosa. Incluindo também a liberdade para não se ser coisa nenhuma. E é isto que faz imensa confusão a pessoas como o senhor. Pessoas que foram criadas dizendo que há outras pessoas com poderes lá em cima que nos criaram do barro e outras coisas assim... A mim tentaram começar a fazer isso... Felizmente tinha outras pessoas mais educadas perto de mim que me foram explicando que existem outras coisas. Mas nunca me disseram "mas olha lá que não há nada, lá para cima só supernovas e astros variados". Mais tarde, por pesquisas próprias, por leituras de textos das mais variadas religiões (desde as passagens mais conhecidas da Bíblia - também, admito, não a li toda - até algumas frases encantadoras do Corão, passando por alguns belissímos textos Budistas e Taoístas, and so on...), por leituras de vários cépticos, de ateus, de papas, de teólogos, de muita, muita gente, descobri, por mim próprio, que eu próprio achava a religião algo de extremamente fascinante e necessário. Mas não é para mim. Não sinto necessidade rigorosamente nenhuma de pertencer a alguma religião. E não vão ser os estigmas sociais que me vão impor alguma coisa. Mas, pelos vistos, não é só a fé que é deturpada: aquilo que eu escrevo, pelos vistos, também o é. Nunca, em momento algum disse que não gostava da religião. Disse que não gostava da igreja, mas nem é pelo próprio conceito de igreja (acho que, em havendo pessoas religiosas, é mais que justo que se construam templos para a veneração dos seus deuses), é por quem a representa. Disse, isso sim, que a religião me fascinava e que achava a crença e a fé algo de necessário. Eu gosto da religião tanto quanto gosto de política ou de bons romances: é por puro gozo intelectual que leio esse tipo de textos, não se trata de busca de inspiração. Não deixa, no entanto, de ser curioso esta espécie de inquisição revertida que se quer fazer agora (já o tentaram com Saramago e agora, pelos vistos, o senhor tenta-o comigo): não és religioso não lês textos religiosos. Bem, ao menos o senhor foi mais soft e apenas disse achar perturbador aqueles que perdem tempo a ler textos religiosos sem terem pingo de religião. Mas a ideia está lá...


Já agora, não que tenha alguma coisa a ver com o assunto, mas já passei por várias fases da minha vida: pela fase cristã (em petiz), pela fase budista (sim, budista, até cerca de dois anos atrás, talvez um pouco antes) e agora encontro-me na fase em que procuro conhecer o mais que posso. Enquanto não encontro nada que me pareça plausível fico-me pelo ateísmo, que estou muito bem, muito obrigado.
Forte abraço!

fado alexandrino. disse...

Muito obrigado.
Uma resposta muito elegante e verdadeiramente interessante de ler.

... A religião não devia ser nada de imposto.

Na realidade não o é.
Não vale a pena dizer que em pequenino nos colocam esta ou aquela marca na testa porque depois (o senhor é um exemplo) podemos e devemos seguir aquilo que o conhecimento e a inteligência nos indicam.

Não sinto necessidade rigorosamente nenhuma de pertencer a alguma religião

È uma decisão com a qual concordo inteiramente, é do domínio pessoal e cada um deve escolher o seu caminho sem atropelar os outros e foi isto que um pouco descuidadamente fez ao partir para um ataque pessoal ao bispo que contrasta fortemente com a sua civilizada resposta.
Foi na verdade isto que me incomodou.
Todas as verdades podem e devem ser ditas mas não é necessário dizê-las ao bofetão.

Entretanto para finalizar esta agradável conversa confesso-lhe que de vez em quando me assalta a dúvida:

-Como é que isto terá tudo começado?

Felizmente para si, de momento não a tem.
Melhores cumprimentos.

Tiago Emídio Martins disse...

Caro Fado Alexandrino, percebo o que quer dizer quando diz que a religião não é, na realidade nada de imposto. Mas a verdade é que muitas crianças, muitas mesmo, são criadas num ambiente onde há uma certa hostilização das outras religiões. Como disse no post original, tenho amigos religiosos, alguns conheço as famílias e reconheço isso mesmo: o condicionamento mental que é feito pelas famílias ao espalharem símbolos, pelo menos três por divisão da casa. Comigo isso não aconteceu... A parte cristã da minha família nunca foi muito devota e a parte que me quis por à escolha encarregou-se de me explicar tantas religiões como as que conheciam. Infelizmente, tantas e tantas famílias em Portugal que não têm estas vozes "alternativas"... Acabam um bocado por ser formatados e, quando estão já em idade, não lhes interessa pesquisar sobre outras religiões porque aquilo é que está certo...
Quanto ao que disse ao bispo, o dito "ataque pessoal"... Sim, creio que não valerá a pena negar, foi mesmo um ataque pessoal. Acho que quem pensa nas mulheres, nos homossexuais e no que é diferente como sendo inferior, como este senhor já tem dado mostras de pensar, é alguém que não merece muito respeito. A minha resposta ao seu comentário foi mais educada (e agradeço os elogios que lhe fez), porque não reconheci em si uma posição de ataque face aos indivíduos que mencionei. Por me parecer uma pessoa inteligente, respondo-lhe com dignidade e respeito. Já o bispo...

Eu pergunto-me como tudo terá começado, várias vezes. Pergunto porque estamos aqui. E pergunto para onde vamos. Mas não leio textos religiosos para tentar responder a estas perguntas. Apesar de alguns serem verdadeiros deleites literários, perfiro pesquisar no campo da filosofia mais pura, da que não contrai a religião.

Abraço!

Anónimo disse...

"A ideia de Deus é, confesso, o único erro que não posso perdoar ao Homem."

Doantien Sade